A importância do imprevisto e a presença social no ensino remoto
É angustiante iniciar 2021 sem ter clareza de quando será possível retomar as aulas e demais atividades presenciais desenvolvidas nas escolas e nas instituições de ensino superior. Primeiramente, porque há milhões de estudantes com precário ou nenhum acesso à Internet e aos demais recursos necessários para aprender e interagir remotamente. Também pesam algumas limitações da educação a distância emergencial que puderam ser observadas por alunos, professores e famílias ao longo de 2020, dentre estas a redução do espaço para o imprevisto.
Nos encontros presenciais há algumas possibilidades ainda difíceis de serem realizadas a distância nos dias de hoje por faltar acesso aos recursos adequados. A observação da linguagem corporal, o toque, os diálogos aleatórios nos intervalos e as conversas paralelas durante as aulas são alguns dos fatos comuns vivenciados nos espaços físicos e tempos compartilhados – aspectos humanos que a cultura brasileira é pródiga em nos ensinar a valorizar. E que fazem falta, em maior ou menor escala, nas interações a distância, sejam elas síncronas ou assíncronas. Quem atua no campo educacional sabe da importância desses fatores subjetivos, imprevistos, espontâneos e como podem influenciar o desempenho da aprendizagem dos estudantes.
Ajudam a compor a chamada presença social, a capacidade dos participantes se identificarem com a comunidade - por exemplo, com a turma -, comunicarem-se propositalmente em um ambiente de confiança e desenvolverem relacionamentos interpessoais por meio da projeção de suas personalidades individuais.
A presença social é um dos componentes do modelo proposto* de uma comunidade educacional de investigação (do inglês Community of Inquiry), como um grupo de indivíduos que se engaja de forma colaborativa em um discurso crítico e reflexivo para construir um significado pessoal e confirmar o entendimento mútuo.
O referencial teórico da Comunidade de Investigação representa um processo de criação de uma experiência de aprendizagem profunda e significativa, colaborativo-construtivista, por meio do desenvolvimento de três elementos interdependentes - social, cognitivo e presença de ensino – veja a figura: abaixo.
Os resultados da aprendizagem dos alunos dependem da profundidade e da qualidade de seu engajamento na aprendizagem, o que envolve componentes comportamentais, cognitivos e emocionais. Para tentar suprir um pouco da falta do imprevisto é recomendável garantir que os alunos tenham uma variedade de maneiras de se envolver com os materiais didáticos, com o professor e com outros estudantes. É preciso desenvolver estratégias que estimulem os interesses dos alunos, fortaleçam sua persistência e apoiem a autorregulação.
Nas aulas síncronas por videoconferência é aconselhável eleger um novo aluno a cada vez com a responsabilidade de fornecer anotações sobre a matéria a todos os colegas. Dessa forma, outros estudantes podem se concentrar em realmente se envolver com a atividade ou palestra, sabendo que serão capazes de complementar suas observações com as de um anotador oficial. Além disso, o professor deve complementar as notas escritas com gravação de áudio e vídeo para que os discentes possam escolher o formato quando revisarem. Em turmas maiores, o docente pode designar grupos de anotadores, buscar voluntários ou envolver a turma na indicação de colegas para a função.
Outra recomendação é oferecer aos estudantes uma variedade de oportunidades para ação física, bem como opções de demonstrarem seu aprendizado e múltiplas chances para melhorarem a função executiva, ou seja, o planejamento estratégico e a execução das etapas de uma tarefa de aprendizagem. Por exemplo, os alunos podem ter a opção de escrever um texto com algumas páginas, preparar slides narrados, criar um site ou enviar uma gravação de áudio respondendo às perguntas da tarefa.
Como em qualquer tarefa, é mais benéfico para o estudante quando uma rubrica acompanha qualquer opção de envio de tarefa para esclarecer as expectativas do professor e garantir critérios de avaliação consistentes, independentemente do formato de envio escolhido.
Quanto mais tenra a idade dos estudantes maiores as dificuldades com o ensino remoto, o que só poderá ser realmente avaliado quanto retornarem as possibilidades de aulas e demais atividades presenciais. Afinal, como nos lembra Comte-Sponville: “A criança, que não sabe fazer outra coisa senão imitar, deseja espontaneamente tudo que imagina ser uma fonte de prazer para os outros e se torna, assim, por motivos amorais (emulação, imitação, educação…), um ser para o qual todos os atos costumeiramente chamados errados serão seguidos de tristeza e os ditos corretos de alegria – isto é, torna-se exatamente um ser moral.” **.
* GARRISON, D. R. Article review: social presence within the community of inquiry framework. In International Review of Research in Open and Distance Learning, v. 13, n. 1, p. 250–252, 2011.
** COMTE-SPONVILLE, A. Viver. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Saiba mais sobre o autor:
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Luciano Sathler
Associação Brasileira de Educação a Distância - ABED
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