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14 mar 2022

A “Saúde” da Educação: a íntima relação entre saúde mental e aprendizagem

Autora Convidada: Adriana Fóz
A “Saúde” da Educação: a íntima relação entre saúde mental e aprendizagem


 

Problemas de aprendizagem podem ser entendidos de várias formas, por isso vamos explicitar aqui alguns pontos chaves, a começar pela diferença entre uma mera dificuldade e um transtorno. Os distúrbios ou transtornos de aprendizagem (TAs) são um grupo heterogêneo de transtornos caracterizados pela falha inesperada de um indivíduo em adquirir, recuperar e/ou usar informações de modo competente. O TA é um termo genérico referindo um grupo de desordens ou disfunções no sistema nervoso central, manifestadas por dificuldades na aquisição e no uso de habilidades, tais como falar, ler ou raciocinar, as quais não dependem prioritariamente do ambiente e tampouco é sinônimo de falta de inteligência. A dificuldade de aprendizagem depende mais do ambiente, quando uma regulação do mesmo faz com que a dificuldade seja superada. Por exemplo, uma criança trocou de lugar na classe e melhorou o desempenho ou após mudar de escola recuperou os conteúdos e está mais engajada e feliz.

 

"Importante saber que encontramos muito mais alunos com meras dificuldades do que com um transtorno de aprendizagem.

Por volta de 40% da população em idade escolar pode apresentar dificuldades de aprendizagem,

e apenas entre 3% e 5% apresentariam distúrbio de aprendizagem como apontam várias pesquisas.

E vale a pena aqui ressaltar que problemas de memória, problemas de atenção

e dificuldade no gerenciamento das interações sociais, não são considerados TAs."

 

Já os transtornos mentais também têm uma etiologia complexa, assim como reiterou Guilherme Polanczyk na última live que realizei junto à ele, pelo canal youtube da NeuroConecte, sobre o tema aqui tratado. Passam por questões que vão desde o nível genético até as características da comunidade onde está inserida a criança. A susceptibilidade maior aos problemas de saúde mental, a falta de suporte, as características da personalidade e temperamento influenciam no aparecimento da doença mental. Mas ainda é prematuro dizer que aumentaram (e quanto aumentou) os transtornos mentais após a pandemia, ainda segundo o psiquiatra da infância e adolescência, porém podemos dizer que aumentou o sofrimento, a insegurança, a frustração, e a ansiedade. Nós, profissionais da saúde e educação estamos realizando o impacto que a pandemia tem causado tanto na saúde mental quanto na aprendizagem dos alunos, pois a pandemia agravou o que já estava em curso. Assim como Polanczyk esclarece, não precisamos receber um diagnóstico de doença mental para falarmos sobre o tema, mas sim, temos que nos “alfabetizar” sobre prevenção e promoção da saúde da mente desde a infância.

Após o início da pandemia pelo vírus SARS-CoV-2, no segundo semestre de 2020, uma a cada três crianças apresentava níveis clínicos de sintomas ansiosos e depressão. E estes sintomas “conversam” com as dificuldades de aprendizado e não é de agora.  Têm estudos que mostram que por volta de 30% das crianças com TAs também apresentam problemas psicológicos, emocionais e comportamentais. No entanto sabemos que uma criança que apresenta um transtorno e é tratada pode gozar de saúde integral, aquela que transcende ao físico, envolvendo as emoções, a cognição, ou melhor, a mente e seu organismo.

 

'O reconhecimento precoce e o encaminhamento à profissionais de educação e saúde mental

qualificados para avaliações e tratamentos baseados em evidências são muitas vezes necessários

para alcançar o melhor resultado possível. Identificar qual questão se encontra mais na base, ou seja, perceber

se a dificuldade na atenção se mostra mais prevalente do que a dificuldade para aprender a matemática exige

muita experiência e comprometimento dos especialistas em questão.

Portanto procure por profissionais experientes e não aceite “diagnósticos”

que podem ser levianos ou pouco esclarecedores.'

 

Ademais a escola pode (e deve) indicar, quando necessário, que pais procurem por avaliações neuropsicológica, psicopedagógica, psicológica ou fonoudiológica. E também, cabe à instituição, orientar no concernente a melhor conduta para a aprendizagem do aluno. Sabemos que não há um único caminho ou um tratamento mágico, mas é possível escolher por condutas mais adequadas e reavaliar sempre que possível. No consultório tenho recebido famílias e jovens em sofrimento pelo exagero de cobranças das escolas. Um paciente de 17 anos, comprometido com seus estudos, ótimo aluno que não conseguia dormir antes das 2:00 da manhã por conta da quantidade de conteúdo e do alto nível de exigência da escola. Confesso que ao verificar a consigna da avaliação da matéria era compatível com um curso de pós graduação. É claro que até aqui trouxe dados que podem ser a realidade para famílias que fazem parte de menos de 2% da população.

Por outro lado, 50% dos estudantes com 15 anos de idade não atingiram o nível mínimo na última edição do Pisa(2018), quadro este agravado após pandemia. Não entraria aqui no mérito do descaso com a Educação Básica por nosso atual governo, mas sim vou “gritar”: o que se tem feito para melhorar o que ficou desastroso? O que será feito para a saúde mental na escola, espaço de acolhimento e continência visando a aprendizagem? Aqui peço licença para um breve convite à todos, aqueles que tem filhos em escolas particulares e públicas, a se interessarem pelo apoio da aprovação do Sistema Nacional de Educação, matéria legislativa que levará mais responsabilidade ao governo federal, por meio de cooperação federativa e de nova política de gestão. Por incrível que pareça temos um modelo muito competente como o SUS, que poderia ser “translacionado” para a educação, assim como também sugere a ONG Todos pela Educação, por meio do artigo de sua presidente Priscila Cruz*. Melhorar os problemas da educação pública passam por conhecimentos de ordem sistêmica, de gestão e responsabilidades entre as partes. Não quero com esta analogia diminuir o abismo que existe entre a educação pública e privada, muito menos relevar o descaso e falta de vontade política para melhorar a Educação, contudo meu intuito é aprofundarmos um pouco os entendimentos da íntima relação entre a saúde mental e a escola. Tanto uma criança quanto um adolescente precisam ser vistos e atendidos considerando seus aspectos emocionais e mentais subjacentes ao pedagógico, o que aponta para a importância e necessidade das escolas e dos serviços de saúde mental apresentarem esforços para uma continência e comunicação mais efetiva entre pais, professores e especialistas. Afinal, da mesma forma que uma criança não aprende de “barriga vazia”, não aprende também com uma mente “cheia” de medos, de angústia, de ansiedade, além do estresse nocivo, o qual compromete, além da saúde, a capacidade para uma aprendizagem de acordo com o esperado para a faixa etária correspondente .

A saúde mental começa na família e deve ser reafirmada pela escola e comunidade por meio da construção de uma parceria eficaz, a qual transcende o “quadrado” de cada moradia ou lar e só poderá acontecer quando cidadãos, por meio da boa vontade dos profissionais envolvidos e do poder público, tiverem disponibilidade para a compreensão da integralidade do aluno. Somente desta forma poderemos vislumbrar uma Educação brasileira “alfabetizada” e mais “saudável”.

 

Saiba mais sobre a autora


 

*artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, em coautoria com Olavo Nogueira Filho  em 19 de fevereiro deste ano.

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