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27 mar 2023

Avaliação da Educação Profissional: desafios e possibilidades

Felipe Morgado
Avaliação da Educação Profissional: desafios e possibilidades
É importante o papel da avaliação e seus indicadores, responsáveis por orientar políticas em busca de padrões de qualidade compatíveis com as constantes mudanças tecnológicas, laborais e sociais


A revolução tecnológica está presente nas sociedades produzindo mudanças expressivas na capacidade humana, com a expansão da inovação de máquinas, algoritmos e inteligência artificial, com a conexão total em rede, incluindo a Internet das Coisas (IoT) e a Indústria 4.0. 

Em 2025, segundo o relatório “The Future of Jobs 2020”, a automação e uma nova divisão do trabalho entre humanos e máquinas impactarão 85 milhões de empregos em todo o mundo. Conforme aponta Saadia Zahidi, diretora do Fórum Econômico Mundial, “a COVID-19 acelerou a chegada do futuro do trabalho, forçando empresas, governos e trabalhadores a implementarem juntos, uma nova visão para a força de trabalho global.” 

Neste contexto, é real o aumento da diversidade da força de trabalho e dos desafios para qualificar e re-qualificar as pessoas, com demandas cada vez mais complexas. É certo que não há outra opção senão se ajustar a esse cenário de mudanças e, para isso, é imprescindível investir em educação, fortalecer os sistemas de ensino e as escolas de educação profissional, tornando-as mais atrativas, inovadoras e conectadas com as necessidades deste século XXI. 

No Brasil, percebe-se um movimento de ampliação da educação profissional, especialmente dos cursos técnicos. No entanto, não basta garantir o acesso e a permanência, mas sobretudo garantir a qualidade desta oferta para dar resposta às necessidades do mundo do trabalho. Como fazer isso? São vários caminhos, mas destaca-se o importante papel da avaliação e seus indicadores, que orientam políticas em busca de padrões de qualidade compatíveis com as constantes mudanças tecnológicas, laborais e sociais. 

É verdade que o conceito de qualidade é complexo e não pode ser definido apenas pelas informações que a avaliação é capaz de produzir. Porém, os seus resultados trazem à tona informações de uma realidade que já é suficiente para orientar os sistemas de ensino e dar suporte a decisões. 

A avaliação externa de larga escala se consolidou como uma ação positiva para avaliar a qualidade da educação básica e superior, por meio de diversos programas instituídos pelo Ministério da Educação. No entanto, a avaliação da educação profissional ainda não tem uma política definida, embora haja movimentos nesse sentido. 

Vale ressaltar a especificidade da educação profissional e como tal um modelo de avaliação também traz suas complexidades e diversos desafios, como o alinhamento nacional de referenciais por competência, curso, área profissional ou eixo tecnológico (o que avaliar); o desenvolvimento de instrumentos válidos, fidedignos e de qualidade adequados a EPT (como avaliar); a abrangência e estratégias de aplicação (quem); a periodicidade da avaliação (quando); o uso de sofisticados procedimentos de análises estatísticas e psicométricas, especialmente para testes práticos.   

Entre as escassas experiências de avaliação de larga escala na educação profissional, vale destacar aqui a experiência praticada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). O SENAI atua em 28 áreas profissionais da indústria, com um modelo de formação com base em competências, e há treze anos instituiu um Sistema de Avaliação da Educação Profissional e Tecnológica (SAEP), com a finalidade de verificar a demanda de cursos, desenvolvimento e qualidade das ofertas, efetividade e eficácia do ensino e aprendizagem, inserção do aluno no mercado de trabalho e a satisfação da empresa com a formação do novo trabalhador. 

Uma das principais dimensões da avaliação implantada pelo SENAI diz respeito à avaliação do desempenho de estudantes, composta por dois processos avaliativos, assim especificados:

Avaliação Objetiva: prova de conhecimentos específicos com itens que apresentam contextos e coloca o estudante próximo ao exercício laboral, de modo a estimar a eficiência do curso para sua formação e a eficácia para exercer com competência a profissão escolhida. O exame é aplicado para os estudantes concluintes dos cursos técnicos e segue rigorosamente os requisitos técnicos exigidos pela Teoria de Resposta ao Item (TRI).

Avaliação Prática: simulações de situações laborais reais e exequíveis que o futuro profissional poderá encontrar no mundo do trabalho, exigindo a mobilização de recursos e meios para resolução dos desafios, com a produção de resultados observáveis das habilidades esperadas para o exercício da profissão. 

Um dos desafios da avaliação na EPT diz respeito à mensuração das competências socioemocionais, o que contribui para um melhor direcionamento pedagógico no processo de formação desses trabalhadores. É consenso de que as competências socioemocionais não são inatas e fixas, podendo ser aprendidas, praticadas e ensinadas. 

De acordo com o “The Future of Jobs Survey”, habilidades essenciais como a capacidade de se expressar de modo crítico, flexibilidade e adaptação ao novo, postura proativa, atitude inovadora, autogestão, resiliência, iniciativa para resolução de problemas, liderança e influência social estão consistentemente no topo das prioridades de requalificação e qualificação dos trabalhadores. 

Igualmente fundamental é conhecer e analisar as caraterísticas e condições do ambiente escolar e seus fatores relacionados que interferem no desenvolvimento da aprendizagem. Estudos mostram que entendê-los e estar atento a eles têm se tornado cada vez mais fundamental. Na perspectiva da oferta de educação profissional e tecnológica não é diferente. 

Apenas outros requisitos são necessários de serem adicionados a este olhar dado sua especificidade de formação, qual seja, o desenvolvimento de competências técnicas e profissionais. Assim, atenção especial precisa ser dada às condições de gestão e infraestrutura da escola e sua relação com o setor produtivo, com o mundo do trabalho. 

Refletir sobre os resultados do desempenho dos estudantes, conhecendo o perfil dos atores envolvidos e o contexto no qual estão inseridos, permite que a equipe pedagógica tenha uma percepção mais assertiva sobre os estímulos externos e internos que interferem no processo de ensino e na aprendizagem dos alunos (KELLAGHAN, 2011). Essa percepção possibilita o delineamento de ações que estejam voltadas efetivamente para a melhoria da satisfação dos atores envolvidos e da qualidade de cada curso técnico avaliado. 

Sabe-se, por outro lado, que obter um mesmo nível de resultado é muito mais difícil em algumas escolas do que em outras. Assim, os índices de desempenho alcançados nas avaliações permitem fazer vários questionamentos, no intuito de compreender melhor o fenômeno da formação e assim realizar intervenções que contribuam para o sucesso escolar de todos. 

Desta forma, os fatores associados a avaliação podem ajudar a responder: há diferenças entre as escolas avaliadas? O que faz uma escola ter bons resultados em alguns cursos e em outros não? O fator infraestrutura impacta no desempenho de quais cursos? Quanto? Os estudantes que já trabalham têm melhor desempenho? Quanto o fator docência impacta no desempenho dos estudantes? Quais as escolas mais eficazes na formação do trabalhador? O que elas têm em comum? Não se esgotam aqui os diversos questionamentos que podem ser feitos, no entanto, só teremos as respostas a partir de avaliações que possibilitem nos dar esse retorno.   

Para concluir podemos afirmar que são inúmeros os desafios da avaliação na educação profissional, mas os seus resultados trazem inúmeras possibilidades, entre as quais, um retrato da qualidade dos cursos, que não se esgota no nível de seus indicadores. 

É importante que sejam utilizados como referenciais para novas ações e políticas de melhoria da qualidade da formação profissional, respeitando a autonomia, a diversidade e o contexto de cada escola. 

Sem esquecer a importância do uso dos resultados, a avaliação não deve permanecer nos andares mais altos da organização. Seus resultados devem chegar, em diferentes linguagens, aos decisores de cada nível hierárquico, com o objetivo precípuo de mudar formas de pensar, sentir e agir. Como uma moeda tem duas faces, ela só justifica os esforços se os resultados são aplicados para mudar a realidade. 

Sobre o autor:


*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.

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