Avaliações educacionais em um mundo dominado pela Inteligência Artificial
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Um dos recursos mais importantes da Inteligência Artificial para a educação se refere à inovação nas avaliações escolares. O desafio está em promover mudanças diante de um contexto em que o aluno tem a tecnologia literalmente na palma da mão em sala de aula, no momento da lição de casa ou até mesmo durante uma prova.
Está cada vez mais evidente que as avaliações deveriam ter mudado desde que o primeiro browser (também conhecido como navegador de internet) foi criado. As recentes e crescentes discussões sobre o tema entre professores e comunidade escolar reforçam que é preciso mudar a forma de avaliar os estudantes.
Segundo um conceito criado por Justin Reich, diretor do MIT Teaching Systems Lab, a Inteligência Artificial é uma “tecnologia de chegada” (arrival technology), ou seja, é uma ferramenta que não abre espaço para preparação, somente aparece e impacta todo o ambiente e como ele funciona.
A IA Generativa, originalmente via ChatGPT, por exemplo, chegou às escolas independentemente de planejamento. Isso é bem semelhante ao que ocorreu com os celulares surgindo nas escolas por volta de 2010: somente nos últimos anos foi iniciada uma discussão social para definir as proibições do uso dos aparelhos nesses locais. Não houve preparo e agora estamos lidando com as consequências.
Além disso, uma reflexão importante: faria sentido proibir de antemão? Uma coisa é certa: mesmo a proibição não é suficiente para trazer mudanças na forma como nos relacionamos e que irão impactar a vida escolar.
Com a IA, o cenário é ainda mais complexo, dado que trata-se de softwares. E as primeiras vítimas são as avaliações e os deveres de casa. Em um mundo onde, com apenas uma foto, é possível ter uma resposta detalhada em segundos, como garantir que aquela conclusão foi escrita ou pensada pelo aluno?
A solução simplista que pode vir à mente é usar a própria Inteligência Artificial para combater a IA. Mas, na grande maioria dos casos, essa opção não funciona. Detectores não são confiáveis e esse é um jogo inútil e perigoso.
Então o que fazer uma vez que as avaliações são fundamentais para o processo de aprendizagem? Como saber se os objetivos pedagógicos foram atingidos?
Uma possível resposta pode estar na escala criada por quatro pesquisadores internacionais em educação: Mike Perkins (British University Vietnam), Leon Furze (Deakin University), Jasper Roe (Durham University) e Jason MacVaugh (British University Vietnam). A ferramenta separa o uso de IA em avaliações escolares em cinco níveis, com o objetivo de capacitar os professores a selecionarem o nível apropriado de uso da IA generativa nas atividades avaliativas com base nos resultados de aprendizagem que desejam atingir.
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O primeiro nível é voltado para objetivos de aprendizagem nos quais é necessário averiguar algum conhecimento que o aluno precisa dominar por si só. Dado o pressuposto fundamental de que todos os alunos têm a possibilidade de usar a IA, é importante, neste caso, a realização de uma avaliação síncrona com supervisão e sem assistência de tecnologia, garantindo que os estudantes se baseiem apenas em sua compreensão e habilidades existentes.
No nível 2, o aluno tem a permissão de usar IA contanto que não atrapalhe seu objetivo final de aprendizado. Mas, para não se tornar uma terceirização cognitiva completa, o aluno precisa apresentar todo o caminho que fez para alcançar as respostas.
Já no nível seguinte, a IA pode ser usada como uma colaboradora que “critica” e “opina” sobre o trabalho do estudante. A partir dessa parceria, o aluno deve trazer sua visão crítica em relação à sua interação com a IA. Isso o ajuda a desenvolver um olhar analítico e até a incorporar a ferramenta em seus fluxos de trabalho de uma maneira produtiva.
No penúltimo nível, não há restrições no uso da Inteligência Artificial. O aluno a direciona para seus objetivos, mas isso não significa ser acrítico. Ainda é preciso deixar detalhado todo o racional utilizado.
Por último, no nível 5, há um objetivo explícito, no qual é obrigatório o uso da IA. Ou seja, a ferramenta deixa de ser suporte e passa a incorporar uma camada de desenvolvimento da capacidade de seu uso de forma a atingir objetivos concretos. Cabe destacar que, em todos os níveis, o fio condutor é a intencionalidade: ou seja, o que está por trás da avaliação e da experiência de aprendizagem. Os alunos precisam aprender a lidar com a IA, mas a partir de múltiplos objetivos.
O uso da tecnologia em diferentes momentos pode fazer ou não sentido e a escala apresentada pode ajudar nesses objetivos. Porém, a tarefa de definir as boas práticas do uso de IA não cabe apenas ao professor. É urgente uma discussão a nível institucional, envolvendo gestores públicos e comunidade escolar, sobre como criar um sistema de suporte para adaptação do ecossistema avaliativo das escolas.
Nesse cenário de transformação, em que a tecnologia avança mais rápido do que as práticas educacionais conseguem acompanhar, repensar as avaliações escolares se torna não apenas necessário, mas inadiável.
A Inteligência Artificial não é uma ameaça à aprendizagem, mas um convite à reinvenção — desde que seja incorporada com intencionalidade e responsabilidade. Cabe à comunidade escolar, em conjunto com formuladores de políticas, construir caminhos viáveis e éticos para que a avaliação continue sendo um instrumento de aprendizado significativo e não apenas um reflexo das limitações do passado.
Sobre o autor:
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Guilherme Cintra
Diretor de Inovação e Tecnologia da Fundação Lemann
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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