ChatGPT e a pedagogia da pergunta
Talvez o medo do desconhecido não nos permita enxergar as inúmeras possibilidades e realidades que existem para além da nossa “caverna”. Direto ao ponto, nós educadores temos uma certa dificuldade em incorporar inovações, sejam ou não tecnológicas, na educação. Pode ser esse um dos motivos das controvérsias em torno do ChatGPT, que tem ouriçado e impactado diversos meios e entes educacionais.
O acesso mais amplo aos computadores na sociedade e inevitavelmente na educação, e posteriormente de outras tecnologias e ferramentas, não gerou tanta discussão e celeuma assim. Talvez o Word tenha preocupado a correção da escrita dos estudantes; o copy-paste, utilizado por meio do Google e de sites da Internet, ‘corrompesse’ o ato de fazer as tarefas de produção de texto; a Siri e a Alexa começaram a apresentar respostas fáceis para diversas perguntadas para os mais variados motivos.
O multiletramento nunca foi amplamente implementado nas escolas e universidades. Ora mais, ora menos, aqui e acolá, mas sempre com ressalvas. Avaliamos, introduzimos, implementamos quase tudo, mas quando a inovação se aproxima da linguagem textual amplamente utilizada por professores, talvez aí o medo do desconhecido se revele mais forte – o medo de mudar, de enxergar novas possibilidades, de reinventar o modus operandi da educação.
O que mais incomoda agora é o “textual”, ponto mais persistente para a educação como um todo e para os educadores, em especial. Porque a linguagem textual, que se faz presente na relação pedagógica entre educadores e educandos, pode intimidar por ser a mais conhecida e utilizada.
As primeiras reações contra o ChatGPT permearam a seara textual. Tanto que, preocupados, o Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po) e o departamento de educação da cidade de Nova York proibiram o uso do ChatGPT, supostamente antevendo prejuízos negativos com o aprendizado de seus estudantes.
Por falta de conhecimento sobre a inteligência artificial, e ainda mais sobre o ChatGPT generativo, tenho a impressão de que a disrupção tecnológica na educação é um sintoma que nos alerta, diante de um mal-estar maior que coloca em xeque conceitos, procedimentos e comportamentos preestabelecidos há milênios no seio da sociedade.
Alguns educadores, como Dora Kaufman, professora e pesquisadora da PUC-SP, acrescentam ao debate que proibir o ChatGPT não é a solução, mas, sim, que deve ser experimentado, dentro e fora das salas de aula.
A chegada do ChatGPT, com amplo acesso à sociedade, aos docentes e aos estudantes, parece que provocou em alguns o desejo pela volta da oralidade para a avaliação nos diversos ambientes educacionais. Não é que a (re)introdução da oralidade na educação seja ruim, mas o problema é a forma e a motivação. Ou o medo do desconhecido exatamente pela falta de conhecimento sobre a inteligência artificial.
Tudo em educação pode e deve ser reavaliado, repensado, reaprendido e, moto-contínuo, aprendido ao longo da vida. A inexorável evolução e as inovação permitem avanços incontestes. Talvez esse seja o momento de uma nova era na educação que pode trazer mais benefícios do que prejuízos educacionais ou de aprendizagem.
A junção das novas experiências com o aprendizado ao longo dos séculos provavelmente nos traga bons frutos. Relembremos duas situações extraordinárias, com as quais a humanidade e as instituições de ensino souberam aprender.
Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.), o filósofo grego, ensinava fazendo perguntas após perguntas, e o diálogo não era escrito, mas pela oralidade. Não à toa, há milênios a grande pergunta (também socrática) é: Por que Sócrates não escrevia? Não há uma resposta definitiva, mas o certo é que Sócrates não achava que escrever era o melhor método de ensino. Vale uma nota aqui: a Grécia Clássica tinha uma cultura oral muito forte e a maior parte das ideias era ensinada por diálogo entre professor e estudante.
Se hoje o ChatGPT instiga a buscar respostas, Paulo Freire já havia ensinado há bastante tempo que é “tempo de perguntar”. Ao perguntar, fazer a denúncia e o anúncio de uma nova sociedade, em prol do desenvolvimento da criticidade dos sujeitos - individuais e coletivos.
A pedagogia da pergunta de Paulo Freire é uma abordagem de ensino que incentiva a aprendizagem por meio de perguntas. Freire dizia que a aprendizagem deve ser um processo de descoberta, e a melhor maneira de descobrir é fazendo perguntas. Em vez de fornecer respostas prontas aos alunos, o professor deve criar um ambiente de aprendizagem em que os alunos possam fazer perguntas e explorar suas próprias ideias. Porque a pergunta é um processo interativo entre o professor e os alunos, em que o professor estimula a curiosidade e a criatividade dos alunos, permitindo-lhes desenvolver sua própria compreensão do mundo.
Cada vez mais, o professor é um facilitador, um guia que ajuda os estudantes a descobrirem o conhecimento por si mesmos. Jamais o professor será substituído, mas auxiliado pela e com inovação. Todo o conjunto de ferramentas e tecnologias em torno do ChatGPT será aprimorado e ficará mais refinado, mais específico. O que precisamos aproveitar desta maré é repensar a intencionalidade. Como promover o uso de tal ferramenta para algo que ainda não é feito na escola?
O binômio certo ou errado, ou bom ou ruim, não serve para esse contexto. Não é possível fazer julgamentos a partir de uma lente ou referências de passado. É necessário criar outros contextos e experiências a partir do novo.
Talvez o ChatGPT tenha nos ensinado que a escola pode também ser o lugar de preparar estudantes para elaborarem boas perguntas e não entregarem as respostas certas para as perguntas que os educadores questionam. Quanto mais elaborada for a pergunta, usando o pensamento crítico, o raciocínio, a lógica e a criticidade, melhor será a capacidade de resposta do ChatGPT.
Acredito que ninguém está reinventando a roda, muito menos o método socrático. Provavelmente, se admitirmos o axioma atribuído à Sócrates “Só sei que nada sei, e o fato de saber isso me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”, possivelmente nos permitirá reconhecermos nossa ignorância e, abertos a aprender e a reaprender, abrir caminho para o conhecimento.
Sobre a autora:
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Adriana Martinelli
Consultora de Educação e Inovação
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