Como vamos falar sobre inovação na educação?
O uso que fazemos das palavras tem consequência direta sobre o que e como as coisas acontecem. Segundo a corrente filosófica do pragmatismo linguístico, inaugurada por Ludwig Wittgenstein (1889-1951), nossa visão de mundo, bem como nossas habilidades para pensar e executar novos mundos, depende centralmente de como usamos a linguagem para falarmos sobre as coisas que desejamos conhecer e transformar.
Neste primeiro texto para o Bett Blog, farei alguns comentários sobre como usualmente falamos sobre variados aspectos da educação. Considero isso importante exatamente porque, em meu entendimento, a forma como usamos as palavras nesse campo tem atuado para desmotivar a transformação e a criação de futuros alternativos para a educação, diminuindo o valor da aprendizagem como um processo criativo e da escola como um ambiente de construção de comunidades.
Mas como falamos sobre aprendizagem, educação e escola que teriam efeitos tão deletérios sobre as coisas e os eventos nesse campo? Coloco, a seguir, exemplos ilustrativos de metáforas ainda comuns no debate educacional, apesar da pesquisa contemporânea em ciências da aprendizagem, psicologia cognitiva, neurociência e pedagogia já ter completamente redesenhado seus sentidos.
● “Transmitir conhecimentos”: posto assim, parece que o conhecimento se comporta como ondas de rádio, capazes de transmitir energia através de radiação eletromagnética. Mas aquilo que enunciamos na sala de aula não é depositado nos estudantes, como o anúncio sonoro oriundo dos equipamentos da rádio percorre o espaço até atingir um receptor. O conhecimento, ao contrário, é objeto de diálogo entre as pessoas, que o apropriam de forma muito gradual a fim de usá-lo em contextos específicos de ação, como na resolução de problemas.
● “Processar informações”: às vezes, falamos sobre informações como se fossem alimentos, assim como na expressão também questionável do “consumo de conteúdos”, metáforas que de alguma forma nos coloca na posição cartesiana de engenhos, organismos maquínicos capazes de tratar dados perceptuais, por exemplo, da mesma forma como computadores tratam impulsos elétricos ou organismos vivos processam alimentos. As informações, ao contrário, são trocadas entre os indivíduos, da mesma forma que os conteúdos são exercitados no contexto de uma experiência educacional.
● “Ministrar aulas”: além de redundante, pois em certo sentido a ideia de ministrar já prevê aulas, esta metáfora faz parecer que a aula é necessariamente construída em torno de exposições unidirecionais: um professor que oferece conteúdos, como um sacerdote que realiza cerimônias religiosas. Mas as aulas não precisam ser ministradas, pois hoje temos uma diversidade imensa de metodologias ativas, que nos permitem falar sobre o espaço da aula em outros termos: invertida, híbrida, dialogada etc.
● “Reter aprendizagens”: aqui a aprendizagem reaparece na metáfora de uma substância que pode ser retida, possivelmente em nossas mentes, assim como nosso corpo pode sofrer com a retenção de líquido. Em articulação com a expressão anterior, a retenção adequada da aprendizagem deveria seguir-se à eficiente ministração de aulas. Melhor falarmos sobre aprendizagem como um processo complexo que contempla dimensões cognitivas, afetivas e sociais, portanto, como uma experiência.
Estas são metáforas poderosas que têm regulado desde sempre nosso entendimento dos processos educacionais e que podem produzir grave inação em relação à missão da escola e sua transformação, a fim de responder aos desafios contemporâneos da aprendizagem. Assim, a título de contraexemplos, ofereço a seguir algumas frases pelas quais podemos falar sobre os processos acima em outros termos:
● Conhecimento: “Hoje na sala de aula, conseguimos explorar a ideia de uma Máquina de Turing e conhecer melhor alguns aspectos de seu funcionamento.”
● Informação: “Os estudantes trocaram entre si várias informações interessantes acerca de como o oxigênio participa da ferrugem de metais.”
● Aulas: “Hoje, a aula foi uma exposição dialogada, com a participação intensa dos estudantes, sobre o regime militar de 1964 no Brasil.”
● Aprendizagem: “Os estudantes foram capazes, usando suas próprias palavras, de demonstrar aprendizagem significativa sobre o vírus causador da pandemia de Covid-19.”
São muitas as estratégias e incontáveis os passos para inovar em educação, mas podemos começar de várias formas simples, inclusive transformando o que e como falamos sobre educação e aprendizagem. Isso nos ajudará a entender melhor a direção e, principalmente, o sentido da mudança.
Sobre o autor:
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Luciano Meira
Coordenador de Inovação / Professor, Proz Educação / UFPE
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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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