Creche nas férias: é direito da família? É obrigação do município?
Para iniciar a nossa reflexão, faz-se necessário uma viagem na história e na legislação aplicável à Educação Brasileira.
Iniciamos com a Constituição Federal do ano de 1988. Foi a partir dessa legislação que as creches e pré-escolas passaram a fazer parte da área de Educação, representando um grande passo na superação do caráter assistencialista aos programas voltados para esta faixa etária.
Ao definir que “o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de”, entre outros, “o atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade (Art. 208, inciso IV), a Constituição cria uma obrigação para o sistema educacional, diferente do que acontecia anteriormente, período no qual as creches pertenciam à área da Assistência Social. Por este motivo, até hoje o atendimento nas creches ainda carrega esse viés assistencialista.
Esta conquista das creches e pré-escolas serem vistas como instituição educacional se deve aos avanços nos estudos sobre a infância, a concepção histórico-social da criança, tornando os pilares do Educar e do Cuidar como indissociáveis no processo de desenvolvimento infantil.
Era muito comum ouvir que a preferência na creche era para mães trabalhadoras, no entanto, desde a Constituição Federal de 1988, a creche é educação e direito de todas as crianças.
E agora? Se a creche não é assistencialista, ela deve estar aberta para atendimento no período de férias, ou seja, no período não letivo?
A resposta pode ser sim ou não.
Considerando que os 3 pilares da Educação Infantil são: Cuidar, Educar e Brincar, entende-se que durante as férias os espaços escolares podem passar a atender o Cuidar e o Brincar.
Já se levarmos em consideração que o Educar e o Cuidar são ações indissociáveis, assim como nós profissionais da Educação estudamos e defendemos, conclui-se que não, a creche não deve ter atendimento fora do período letivo, pois deve seguir a organização do Sistema de Ensino, que é atender os 200 dias letivos ou 800 horas letivas na Educação Infantil.
Entretanto, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou, em junho de 2021, o projeto de lei nº 351/2015, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para determinar que as escolas da educação infantil, de responsabilidade dos municípios, deverão ofertar atendimento complementar durante o período de férias escolares.
Uma vez aprovada, a regra terá de ser seguida pelos estabelecimentos da rede pública e da rede privada conveniada. Pelo texto, anualmente, os pais ou responsáveis deverão fazer a opção, no ato da matrícula, sobre a necessidade do atendimento complementar durante as férias escolares.
Originalmente, a proposta exige que as creches funcionem durante as férias e os recessos escolares. O relator, porém, optou por substituir esta obrigação pela oferta de atendimento complementar. Este atendimento será prestado em articulação com outras áreas da gestão municipal, como saúde, cultura, esporte e assistência social, inclusive para fins de financiamento.
Sendo assim, fica claro que esse atendimento em período não letivo não deve ficar sob responsabilidade exclusiva da pasta da Educação, podendo ter a parceria e os investimentos de outras pastas, como a Assistência Social, Cultura e Esportes.
E, para finalizar, trago a seguinte reflexão: e para a criança, o que é melhor?
É de extrema importância que a criança também tenha o direito às férias, direito de descansar da rotina da creche e de estar no convívio familiar.
Sendo assim, recomendo que as famílias que tiverem a oportunidade de programar as férias de forma a coincidir com as férias escolares, o façam. Em último caso, não tendo esta possibilidade e não tendo nenhum parente próximo que possa estar com a criança durante as férias, é direito usufruir deste atendimento.
Por fim, aos gestores públicos, fica a orientação: não há a obrigatoriedade de abertura de todas as unidades de creche do município e o atendimento nem precisa ser, necessariamente, no ambiente “creche”. Pode-se fazer um estudo, com dados e evidências das famílias que necessitam deste atendimento e organizar a oferta do serviço em polos, inclusive em parceria com as outras secretarias, como a de Assistência Social, Esporte e Cultura.
Sobre a autora:
-
Márcia Bernardes
Membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo
Gostou do artigo? Então, compartilhe nas suas redes sociais:
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
Categories
- Gestão Educacional