Crise e liderança educacional em tempos de pandemia
Tenho acompanhado de perto um grupo grande de secretários municipais e estaduais de educação, ao longo deste período de fechamento das escolas. Faço um trabalho de mentoria, em que discutimos tanto as melhores abordagens de aprendizagem emergencial em casa quanto a longa e desafiante preparação para a retomada de aulas presenciais.
Um tema recorrente que aparece nestas conversas não é, como se poderia imaginar, a tecnologia e sim a liderança necessária para momentos de crise. Isto não significa que eles não se interessem pela solução tecnológica para os seus problemas, mas que muitos deles se defrontam, pela primeira vez com o desafio de conseguir mobilizar suas equipes para tarefas anteriormente desconhecidas e para as quais ninguém teve o preparo necessário.
Algumas vozes infladas pela aproximação do período eleitoral questionam muitos dirigentes municipais sobre a não existência de planos de contingência para fazer frente à catástrofe ocorrida. Evidentemente, nenhuma escola no mundo conseguiu prever situação tão adversa, com escolas total ou parcialmente fechadas em cerca de 190 países, conforme estudo da McKinsey.
Mesmo assim, inúmeros professores começaram – muitos de forma isolada- a enviar atividades para casa – na esperança de que seus alunos não perdessem o vínculo com a escola e mantivessem alguma forma de aprendizagem. Muitos secretários seguiram seus professores, garantindo certa coordenação na ação adotada, evitando, desta forma, um crescimento da desigualdade educacional entre escolas e destas com as escolas particulares que vêm, com apoio da tecnologia, mantendo a aprendizagem remota de forma sistemática.
Certamente é mais simples para escolas privadas fazerem este trabalho, dada a logística envolvida numa unidade isolada, bem mais simples do que a de redes públicas. Além disso, parte importante das unidades escolares que atendem jovens de famílias afluentes, sabem que seus alunos contam com equipamentos e conectividade de qualidade.
Mas os secretários conseguiram vencer obstáculos iniciais e, embora muitos deles tivessem uma formação insuficiente em gestão para tanto, lograram operar a coordenação da resposta educacional à COVID. É importante lembrar que, na maior parte dos países, quem montou um sistema nacional de aprendizagem emergencial remota a ser desdobrado em estados e municípios foi o governo central. Isso aqui simplesmente não ocorreu.
Para todos os secretários estaduais, a ideia de uma plataforma de aulas digitais pareceu fazer muito sentido, apesar de uma parcela dos alunos não ter como acessar. O mesmo ocorreu com um número bem menor dos municípios, focando, neste caso, nos anos finais do Ensino Fundamental. Alguns, neste último caso, contaram com a ajuda da Escola Mais, que incorporava o uso de plataformas no ensino regular.
A experiência pareceu fazer sentido, embora houvesse uma resistência inicial dos professores, com alguns se dizendo despreparados para a prática e outros rejeitando a entrada nos municípios de atores privados.
No final, muitos professores conseguiram se reinventar e demonstraram um profundo compromisso com a aprendizagem dos alunos. Formações emergenciais foram feitas em vários estados e municípios e, de alguma maneira, a inclusão digital e a preparação de docentes para um ensino remoto ocorreram.
As respostas educacionais à COVID foram parcialmente desconexas, dada a ausência de uma coordenação nacional pelo MEC, mas a forte atuação do CONSED e da UNDIME, assim como o exercício de liderança de boa parte dos secretários conseguiu evitar um crescimento desproporcional da desigualdade educacional.
Eles tiveram que ser líderes inspiracionais em seus estados e municípios, convocando seus professores e valorizando suas práticas, e organizaram uma logística complexa, para garantir a chegada de material físico e virtual para as residências.
Afinal, as crises, na história da Humanidade fazem aflorar líderes e apequenam dirigentes menores. Os livros de história vão um dia contar o empenho de um grupo combativo de lideranças educacionais e professores para garantir alguma aprendizagem aos alunos de escolas públicas, em condições muito desafiadoras.
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