Dissociação entre ensino superior e mercado de trabalho: uma autocrítica necessária
Dentre tantos desafios no ensino superior (segurança regulatória, inclusão acadêmico-social, tecnologias emergentes, sustentabilidade da IES/cursos, internacionalização, empregabilidade etc.) confesso que, em minha experiência de mais de duas décadas na gestão do ensino superior, sou contínua e sucessivamente assombrada pela escuta de líderes empresariais e de egressos acerca da dissociação dos currículos dos cursos de graduação com o mercado de trabalho.
E falo de percentuais alarmantes, referenciados por pesquisas diversas (institutos de pesquisa, estudos acadêmicos, pesquisas de acompanhamento de egressos e avaliação institucional/CPA) e por processos de contratação de grandes empresas que não exigem a formação superior.
A título de ilustração, pesquisa realizada pela Educa Insights, em 2021, sinaliza que enquanto mais de 60% dos gestores educacionais acreditam que seus cursos preparam para o mercado de trabalho, apenas 39% dos líderes empresariais acreditam que o preparo é adequado. Situação inconcebível ante o compromisso manifesto em nossas missões institucionais em formar profissionais-cidadãos dotados de excelência profissional e compromisso social.
Ademais, some-se às estatísticas apresentadas por tais pesquisas, o crescimento de contratações empresariais fundamentadas em competências e experiências (sem exigência de graduação) e o investimento em núcleos de formação profissional corporativos. Enquanto cursos de graduação bem ranqueados no Sistema de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) deterioram-se gradativamente pela falta de candidatos.
A crise de legitimidade que vivemos requer uma autocrítica. Referida autocrítica começa pela análise de nossos projetos pedagógicos, elaborados no contexto acadêmico, obedecendo rigorosamente os indicadores de avaliação do INEP, contudo, com pouca ou nenhuma interação com os setores produtivos.
Do que decorre, em grande medida, um perfil profissional de egresso distante dos imperativos mercadológicos e, por consequência, uma matriz de componentes curriculares com natureza eminentemente teórica, dissociados entre si em seus limites disciplinares. Não temos um percurso sinérgico e flexível, orientado para a construção das competências descritas no referido projeto pedagógico, mas um somatório de disciplinas justapostas (modelagem rígida), resultantes de rateios conteudistas tradicionais.
Se perfil e matriz curricular estão aquém das necessidades do mercado de trabalho, as metodologias de aprendizagem contribuem para agravar este distanciamento. Sopesada a popularização das metodologias ativas de aprendizagem, inclusive com a incorporação de tecnologias aplicadas ao processo de aprendizagem, sua aplicação carece de clareza das suas intencionalidades pedagógicas, observando-se, por exemplo, sua desconexão com os objetivos de aprendizagem e, ainda mais grave, com o processo avaliativo que se mantém quantitativo, probatório e classificatório, disto de uma proposta processual-formativa.
Destaco outros sinalizadores da desintegração dos currículos com o mercado de trabalho: a inadequação ou insuficiência dos estágios curriculares; trabalhos de conclusão de curso, cujo objetivo essencial é a síntese aplicada do percurso acadêmico, sendo convertidos em discussões meramente teóricas e estudos comparados, além da falta de planejamento de carreira durante o percurso do curso.
Docentes com formação acadêmica de excelência, mas sem experiência profissional contribuem para sedimentar tal desintegração, visto que não têm condições efetivas de apresentarem exemplos contextualizados com relação a problemas práticos/situações reais, de aplicação da teoria ministrada em relação ao fazer profissional, de atualizarem-se com relação à interação conteúdo e prática, especialmente, em relação às novas tecnologias do mercado laboral.
Ante ao exposto e sem a pretensão de esgotar tal reflexão (sequer de prescrever soluções), entendo improrrogável a construção de novas dinâmicas, conectando instituições de ensino, docentes, acadêmicos e setores produtivos em percursos socioformativos.
Do que se depreende a necessidade de novas modelagens curriculares (mais flexíveis), de investimentos em formação docente e promoção/valorização de sua aproximação com o mercado laboral, além da curricularização de projetos aplicados, da extensão e da internacionalização, enquanto estratégias relevantes para percursos formativos conexos à transformação e evolução das profissões.
Sobre a autora:
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Simone Loureiro Brum Imperatore
Diretora acadêmica da Faculdades EST
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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- Metodologias de Ensino