Educação inclusiva é valorizar as diferenças entre os alunos
A educação inclusiva é ainda um desafio para os sistemas educacionais brasileiros. As problemáticas de tornar a escola um ambiente mais inclusivo para todos são sentidas no ensino público e privado e podem acarretar inúmeros atrasos para um país no avanço socioeconômico.
A exclusão de pessoas com deficiências na educação e no mercado de trabalho pode representar uma perda de cerca de 3% a 7% do PIB de um país, segundo o relatório “A Inclusão de Pessoas com Deficiências na América Latina e no Caribe: um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável”, do Banco Mundial, divulgado em 2021.
O estudo aponta que, aproximadamente, 85 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe têm algum tipo de deficiência, o que representa 14,7% da população total. Na educação, o relatório do Banco Mundial mostra que 15% das crianças com deficiências não estão matriculadas na escola e uma em cada duas pessoas nessa condição não participa do mercado de trabalho.
Marta Gil, coordenadora executiva geral do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, alerta que sem habilidades e conhecimentos adquiridos na escola, as pessoas com deficiência podem experimentar profundas e duradouras consequências econômicas, em especial, quando tentam ingressar e permanecer no mercado de trabalho.
“Esta condição afeta número expressivo de pessoas, qualquer que seja a raça/cor, condição econômica, gênero, local de residência, entre outros marcadores identitários, que estão interconectados. Ou seja, podemos inferir que a exclusão é multifacetada e atinge os grupos socialmente vulnerabilizados”, analisa Marta.
E quais são os entraves atuais para alcançar o objetivo de uma escola efetivamente inclusiva? Para Klaus Schlünzen Junior, professor e pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a formação de professores é um dos principais obstáculos.
“É necessário formarmos professores que compreendam o que é inclusão, não apenas do ponto de vista conceitual, mas principalmente da sua prática. Infelizmente, a maioria das instituições de formação de professores, quando muito, preconizam esta perspectiva, porém continuam a seguir uma lógica que diz aos estudantes como deveriam ser os professores. Mas, em contradição, a sua própria prática de formação é tradicional, em uma perspectiva instrucionista”, declara Klaus.
Ele avalia que uma educação efetivamente inclusiva é aquela que tem como princípio a valorização das diferenças. “Os ambientes educacionais (escolas, universidades, instituições) procuram homogeneizar o processo de ensino e de aprendizagem. Pensar em uma educação inclusiva é compreender que cada dia, cada semestre, cada ano escolar é distinto, temos práticas pedagógicas diferentes, recursos novos, estudantes com expectativas e necessidades diversas e aí reside a riqueza”, afirma o pesquisador da Unesp.
O professor Doug Alvoroçado, que atua em escolas municipais no Rio de Janeiro e é especialista em Atendimento Educacional Especializado (AEE), segue também essa linha de raciocínio e opina que, entre os melhores exemplos que já observou de inclusão nas escolas estão aqueles que as diretrizes contam com um planejamento educacional individualizado para cada aluno com o devido registro das atividades, alinhado com o design universal da aprendizagem.
“Vejo o cenário atual com avanços positivos na educação inclusiva, com essa temática mais popular e menos ‘tabu’ na sociedade. Porém, ainda é possível observar muitos erros comuns, como achar que a inclusão é apenas colocar um aluno com deficiência em uma sala regular e pronto ou apenas oferecer para ele um currículo diminuído”, considera Alvoroçado.
Outro aspecto reforçado pelo professor Klaus é a construção de projetos de escola que sejam concebidos com a participação dos professores, gestores, estudantes, família e comunidade para reverter o cenário geral da educação que ainda está distante de uma escola inclusiva.
“As escolas de sucesso no mundo são aquelas que construíram seus próprios projetos, concebidos dentro no seu interior com a participação de todos. Embora as políticas públicas e o apoio do governo sejam importantes, é fundamental que as instituições escolares construam suas próprias diretrizes baseadas em seu contexto e que possam dar sentido e significado para suas ações. Penso que este é o melhor caminho a ser seguido e, para tanto, precisamos formar nossos professores nesta perspectiva”, expõe.
Formação de professores inicial e continuada para a educação inclusiva
Para os professores Klaus e Doug, a formação adequada de professores para uma educação inclusiva é um ponto chave para a evolução deste cenário que vivemos, onde a inclusão ainda está longe de ser a ideal. A valorização da carreira é fundamental para atrair essa vontade, entre os educadores e professores interessados, em investir mais na formação focada na educação inclusiva, na visão de Doug.
“O professor precisa de uma formação que mostre como fazer todo o seu trabalho de forma inclusiva, não apenas para situações específicas, por exemplo, receber um aluno com deficiência visual ou motora. Ele (o professor) precisa entender o que é designer universal de aprendizagem e preparar o seu trabalho mais adaptado e adequado possível para receber todos os alunos possíveis. Isso faz a diferença”, destaca Alvoroçado.
O professor carioca ainda ressalta que a modernização da formação continuada com inovação é um viés importante. “Temos muita tecnologia assistiva e acessível à disposição. Podemos utilizá-la como uma aliada na alfabetização, no letramento matemático e no midiático. Os alunos já nascem hoje nativos digitais e isso não pode ser negligenciado”, diz.
Já o pesquisador da Unesp vê a importância da formação contínua na atuação do professor de educação especial e inclusiva de igual maneira para a sala de aula do ensino regular.
“O professor de educação especial precisa ser formado não apenas sob o ponto de vista teórico, do uso de tecnologia assistiva e de outros recursos para contribuir para a inclusão. A sua formação deve ser mais sistêmica, na compreensão do trabalho colaborativo com o professor de sala de aula, na perspectiva de trocas e de aprendizagens coletivas, na capacidade de observar e reconhecer as demandas e necessidades, na humildade recíproca de ouvir o professor e os seus estudantes para novas formas de trabalho pedagógico. Para tanto, formar este professor não é uma tarefa fácil: precisamos compreender muito bem o que é a inclusão que queremos e estabelecer nos projetos de escola como articular o trabalho destes professores”, finaliza Klaus.
Gostou? Compartilhe nas redes sociais:
*Reportagem publicada originalmente na edição especial da Bett Brasil na Revista Escola Particular.
Categories
- Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I)