As faces do não
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Vivemos uma era em que o imediatismo, o excesso de estímulos e a permissividade têm diluído os contornos do não. A ausência dessa pequena palavra está deixando marcas profundas em uma geração que cresce com dificuldade para lidar com frustrações e limites. E isso nos leva a uma pergunta urgente: qual é o futuro da educação em uma sociedade que tem medo de dizer não?
A fama e o sucesso me trouxeram múltiplas óticas sobre o não. Com o tempo, percebi que, quanto mais visibilidade eu ganhava, mais abundantes se tornavam os “sins”. E, paradoxalmente, só compreendi o real valor dos nãos quando comecei a recebê-los com menos frequência. Quando há algo a ser conquistado, o não assusta. E é inevitável: fama e poder despertam desejos, expectativas, conveniências.
Mas não é apenas no universo da fama que o não se tornou escasso. Em uma sociedade marcada pelo culto ao prazer imediato, pela ansiedade e pela hiperconectividade, o não perdeu espaço — e, com ele, perdemos também referências fundamentais para a formação de crianças e adolescentes. Diante do tédio, da angústia e da ausência de limites, muitos jovens recorrem a suportes ilusórios, buscando formas de amenizar sentimentos que ainda não aprenderam a lidar — muitas vezes por falta de apoio e orientação.
Ao refletir sobre esse cenário, recordo Nietzsche, que defendia que uma vida saudável exige a capacidade de dizer não — e, mais do que isso, exige sabedoria para escolher o momento certo de usá-lo. Para o filósofo, não se trata apenas de negar, mas de evitar o sim impulsivo, o sim que nasce do desejo de agradar ou de fugir de conflitos. Ele nos lembra que conhecer a si mesmo é o primeiro passo para escolher quais nãos valem a pena, poupando energia e cultivando autenticidade.
Já Schopenhauer enxergava a vontade humana como uma força insaciável, que nos mantém em um ciclo constante de desejo e insatisfação. Em uma época em que o consumo se tornou referência de identidade e pertencimento, aprender a dizer não às próprias vontades é, paradoxalmente, um gesto de liberdade. Mas isso não tem sido ensinado. Crianças e jovens estão crescendo em meio a um vasto cardápio de distrações, onde o muito nunca parece suficiente — e o não quase sempre é evitado. O resultado é uma geração com menos resistência emocional e menor capacidade de sustentar frustrações, comprometendo inclusive o desenvolvimento de talentos que poderiam florescer.
Até mesmo quando falamos de saúde e bem-estar, o não parece estar em extinção. Rudolf Steiner, educador e pensador visionário, já alertava para um futuro no qual a alma humana poderia ser anestesiada por remédios. E, hoje, o que vemos é o uso desenfreado de estímulos — substâncias, redes sociais, entretenimento — que funcionam como remédios emocionais rápidos, tentando abafar as dores que não sabemos nomear. Há algo profundamente alarmante nesse modelo: ao evitar o não, evitamos também o processo de autoconstrução — e isso tem um preço.
Esse mesmo padrão se repete nas relações familiares. Muitos pais, exaustos, têm evitado o não por acreditarem que ele causa sofrimento. Mas educar não é proteger da dor — é preparar para enfrentá-la com recursos internos. Quando o não é negligenciado, ele retorna em forma de desorganização emocional, vícios e ausência de vínculo. O excesso de permissividade tem sido tratado como liberdade, quando, na verdade, é abandono disfarçado.
Em determinado momento da minha vida, precisei me confrontar com os meus próprios nãos. Foi nesse mergulho profundo e necessário que descobri o valor do autoconhecimento, dos vínculos e da educação socioemocional — um processo que transformou minha vida, ressignificou minha relação com meus filhos e, de forma natural, se tornou propósito e missão junto com a EAI Educa.
Nesse caminho, compreendi uma verdade que hoje carrego comigo: a educação não pode mais ocupar apenas o tempo que sobra. Quando deixamos de priorizá-la, os juros vêm — e são altos, especialmente a médio e longo prazo. Com a falta de vínculos afetivos, a relação se constrói num terreno inócuo, sem raízes, perdendo a essência.
É sempre bom lembrar que pessoas em formação não aprendem sozinhas, sem apoio. Por isso, estamos diante de uma escolha coletiva. Podemos continuar adiando o essencial — ou podemos começar, hoje, a formar seres humanos mais conscientes, mais resilientes e mais conectados consigo e com o outro.
E, nesse caminho, a educação socioemocional se apresenta como uma resposta urgente e inadiável. Ela reconstrói o que o imediatismo vem fragmentando: o sentido, o vínculo, o tempo da escuta e da presença. Ensina a conviver, a lidar com os próprios limites e a respeitar os limites do outro.
Porque dizer não com presença, empatia e propósito é também um ato de educação. Aprendi, no silêncio dos meus próprios nãos, que é ali que começa o verdadeiro caminho da formação. Um caminho de vínculos, de coragem e de sentido — tudo o que o futuro mais precisa.
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