A gestão da interação cultural entre professor e aluno
Após ouvir a definição de interação cultural, uma professora do primeiro segmento do Ensino Fundamental, ansiosa por certificar-se de que havia entendido, exemplificou para o palestrante: “uma vez encontrei um aluno e sua mãe no supermercado e, após um aceno e o cruzamento dos carrinhos de compras, ouvi meu aluno comentando com a mãe que eu comprava a mesma marca de arroz que eles. Isso tem a ver com interação cultural?”. A situação narrada é ótima como exemplo de interação cultural, pois mostra uma descoberta por parte do aluno que insere a professora no seu mundo, afinal ambos comem a mesma marca de arroz. Merece destaque nesse exemplo a atenção (e até mesmo a surpresa) do aluno ao perceber o elemento comum.
A interação cultural começa na percepção do outro como membro de nossa cultura. Essa interação é responsável por aproximar ou afastar relacionamentos. A partir dessa interação, automaticamente nos aproximamos de pessoas. É uma atitude inconsciente, que só se revela quando nos pegamos conversando animadamente com aquelas pessoas que possuem vivências em comum conosco.
Na relação professor–aluno, a interação cultural é facilitadora da predisposição afetiva. Aproximamo-nos mais facilmente das pessoas que percebemos como parte de nosso mundo, membros de nossa cultura, habitantes de nosso “planeta”. Essa identificação cria certa segurança para uma relação afetiva. Quando a postura do professor é de distanciamento e diferenciação cultural, o resultado, quando muito é de idolatria, sentimento muito vulnerável para temperar uma relação de ensino e aprendizagem, uma vez que ídolos são incontestáveis e perfeitos. O ato de facilitar a aprendizagem do outro pressupõe ser visto como gente, o que, de certa maneira, autoriza esse outro a também ser.
O professor que interage culturalmente com seus alunos cria vínculos de modo rápido e efetivo, o que facilita o processo de aprendizagem. A disposição de aprender é alimentada pelo sentimento de possibilidade que alguém, que é parte do mesmo mundo (o professor), desperta.
A promoção de aprendizagens intencionais requer, no mínimo, um alinhamento de códigos e valores, para evitar que professor e aluno não se entendam por falarem línguas diferentes. O professor é visto pelo aluno muito além daquilo que pensa estar mostrando. Crianças, adolescentes e jovens buscam a todo momento elementos que facilitem a interação cultural com o professor. Essa busca é muitas vezes frustrada por movimentos de afastamento por parte do professor que nem sempre compreende a real intenção do aluno. Alguns, por não perceberem a importância da interação cultural, cultivam um afastamento em nome da manutenção do “respeito” e, dessa maneira, cavam um precipício entre eles e os alunos, consolidando a ideia de que estão em lados opostos.
O olhar do aluno para o professor é essencialmente um olhar de busca de referenciais, de tentativa de identificação de possibilidades de contato real, de comunicação verdadeira, a partir daquilo que cada um é e traz em sua bagagem de experiências. É como se fosse um pedido de não exclusão, uma mensagem que diz “enxergue-me como realmente sou”, pois é a única coisa que tenho para lhe mostrar. É, inicialmente, um pedido de acolhimento, mas, se não é atendido, transforma-se em olhar de vingança, em postura de autodefesa e resistência.
Ao perceber o professor como parte de seu mundo, o aluno sente-se livre para se arriscar nos desafios. Ao se mostrar falível, o professor autoriza que o aluno também o seja e desse modo faz com que ele se lance de maneira mais ousada nas experiências de aprendizagem. Podemos dizer que o processo de aproximação psicológica entre professor e aluno favorece a segurança para aprender e que tal aproximação é facilitada pela interação cultural. Aproximar os mundos do professor e do aluno é condição essencial para aproximar os conhecimentos.
Nós, professores, promovemos e facilitamos a construção de pessoas. Educar é tarefa que só se realiza, de fato, quando quem educa se disponibiliza por inteiro. Não estamos nos referindo a uma tarefa simples, pois mostrar-se por inteiro exige aceitar-se, e, aceitar-se por inteiro significa conhecer-se sob as luzes e sombras inerentes a qualquer ser humano.
Sobre o autor:
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Júlio Furtado
Doutor em Ciências da Educação
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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