Imaginação e autoria: o futuro da escola depende de rotinas mais criativas
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O desempenho do Brasil no Pisa 2022 acendeu um alerta importante para a educação: mais da metade (54,3%) dos estudantes de 15 anos apresentou baixo nível de criatividade ao tentar solucionar problemas sociais e científicos.
O país ficou na 44ª posição entre 56 participantes, atrás de vizinhos latino-americanos como Uruguai, Colômbia e Peru. Em uma escala de 0 a 60 pontos, o Brasil somou apenas 23, dez abaixo da média da OCDE. Os dados revelam uma lacuna preocupante: nossos jovens ainda têm dificuldade em propor mais de uma solução para um problema, limitando-se a ideias óbvias e pouco originais.
Se a criatividade é hoje uma das competências mais valorizadas pela sociedade e pelo mercado de trabalho, o resultado mostra que a escola brasileira precisa repensar urgentemente seus métodos de ensino. Para a professora e facilitadora de Design de Experiências e Programas de Aprendizagem, Manu Bezerra, o caminho passa pela valorização da imaginação e da autoria como ferramentas estruturantes do aprendizado.
“Estimular a imaginação e a autoria é essencial para transformar o aprendizado em algo vivo e significativo. Pedro Demo, em seu livro Aprender como Autor, defende que aprender não é repetir, mas produzir conhecimento com autoria, assumindo-se como sujeito ativo no processo”, afirma Manu.
Ela aponta que uma das abordagens mais potentes para isso, segundo ela, está nas rotinas de pensamento desenvolvidas pelo Project Zero, da Universidade de Harvard. Diferentemente de metodologias rígidas, essas rotinas funcionam como estruturas simples de perguntas ou sequências de raciocínio que ajudam os alunos a organizar ideias e a tornar visível a forma como pensam.
Um exemplo é a rotina “Vejo, Penso, Pergunto”, que pode ser aplicada em uma aula de História sobre a Revolução Industrial:
1 - Vejo: Os alunos analisam imagens de fábricas da época ou documentos históricos e descrevem o que observam objetivamente.
2 - Penso: Refletem sobre o que essas observações podem significar, levantando hipóteses ou interpretações.
3 - Pergunto: Formulam perguntas genuínas sobre as condições de trabalho, impactos sociais ou inovações tecnológicas daquele período.
“A partir desse processo, o professor pode estimular os estudantes a criar produtos autorais como linhas do tempo comentadas, narrativas multimodais ou até podcasts que conectem o passado com os desafios atuais da automação e do mundo do trabalho”, destaca Manu.
Outra prática é a rotina “Antes Pensava, Agora Penso”, que convida os alunos a anotar e revisitar suas ideias no início e no fim de uma unidade de estudo. “Esse exercício fortalece a metacognição e a autoria intelectual, mostrando que aprender é também repensar e ressignificar”, afirma a professora.
Essas estratégias dialogam com a visão de Corita Kent, autora de Aprender de Coração, que associa aprendizado a sensibilidade e ousadia. Para Manu, integrar reflexão, arte e expressão pessoal é essencial para desenvolver as dimensões da criatividade avaliadas pelo Pisa: explorar, criar, avaliar e melhorar.
Pacto coletivo para reimaginar a educação
Mas, transformar o cotidiano escolar vai além de práticas isoladas: exige uma mudança de cultura. “Reinventar a escola passa por reimaginar a educação como um pacto coletivo, em sintonia com o relatório da UNESCO Reimaginar juntos nossos futuros. É preciso integrar a inteligência afetiva (que valoriza empatia e vínculos), a inteligência autoral (que estimula autoria e protagonismo) e a inteligência artística (que amplia a sensibilidade estética e a imaginação) ao processo de aprender”, defende Manu.
Nesse pacto, cada ator da escola tem um papel essencial:
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Gestores como mentores, criando condições e cultura de inovação;
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Professores como mediadores, capazes de transformar objetivos pedagógicos em experiências vivas;
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Alunos como autores, convidados a imaginar, experimentar e construir sentido no processo de aprender.
Uma estratégia prática para viabilizar essa colaboração é unir a cocriação ao planejamento reverso. Nessa abordagem, define-se primeiro os objetivos de aprendizagem, depois as evidências que inse foram alcançados e, por fim, o plano de experiências que mobilize as diferentes inteligências (afetiva, autoral e artística). “Esse processo encontra suporte no design, que permite prototipar, testar e ajustar continuamente práticas pedagógicas”, explica Manu.
O contraste entre os resultados do Pisa e o potencial das metodologias criativas mostra que a escola brasileira tem um grande desafio, mas também uma enorme oportunidade. Ao adotar rotinas de pensamento, valorizar a autoria e promover a cocriação, é possível transformar a sala de aula em um espaço em que imaginar e produzir conhecimento caminham juntos.
“A reinvenção do cotidiano escolar não acontece por imposição, mas por meio de comunidades de aprendizagem colaborativas, onde todos compartilham a responsabilidade de imaginar e construir futuros educativos mais humanos, criativos e potentes”, finaliza Manu.
O conteúdo desta matéria tem como base a participação da professora e facilitadora de Design de Experiências e Programas de Aprendizagem, Manu Bezerra, na Jornada Bett Nordeste 2025.
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