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19 out 2021

Interatividade é a verdadeira presencialidade

Autor convidado: Romero Tori
Interatividade é a verdadeira presencialidade


 

Em meu último texto neste blog (“A Educação pode ser Presencial, EaD, Remota ou Híbrida, mas o que importa é que seja “sem distância”) escrevi que “Interatividade é a chave para redução de distâncias em educação”. Mostrei também que, para se reduzir (ou até mesmo eliminar) distanciamentos na educação, mais importante que o compartilhamento de um mesmo espaço físico é a redução da chamada "distância transacional”, que pode ocorrer tanto em atividades virtuais quanto naquelas desenvolvidas com proximidade física. Mas deixei em aberto a discussão sobre os conceitos de interação e interatividade e como aplicá-los para reduzir distâncias na educação. É nesse ponto que retomo. Então me acompanhe agora nessa discussão sobre interatividade e presencialidade. 

 

A primeira questão relevante, quando se pretende discutir a aplicação ou outras questões relacionadas a determinado conceito, é defini-lo claramente. Você pode até discordar da definição (e é muito comum haver mais de uma definição, às vezes até conflitantes, para um mesmo conceito acadêmico-científico) mas pelo menos fica mais fácil entender (e concordar com, ou discordar de) argumentações que são feitas quando se sabe dos pressupostos sobre os quais o autor esteja trabalhando. Dessa forma vou apresentar aqui a minha definição de interação, interativo e interatividade, sem a pretensão de que sejam universalmente aceitas (nem mesmo que você com elas concorde), mas apenas para facilitar a compreensão da discussão que farei em seguida.

 

Minhas definições:

 

interação: ato que provoca reação, ou que reage a algo (ou alguém), provocando alterações nos estados dos envolvidos. 

 

interativo: algo que possibilita interação.

 

interatividade: nível ou intensidade latente e/ou percebida (potencial) para interação de algo ou alguém.

 

Fiz questão de incluir “algo” na definição, porque conceituações que tentam separar interações “entre humanos”, “entre humanos e máquinas”, e “apenas entre máquinas”, mais complicam do que ajudam. Com a tecnologia permeando nosso cotidiano, interagiremos cada vez mais com software e máquinas (ou intermediados por tecnologias) e separar interações humanas de interações que envolvam tecnologia seria tão inviável quanto inútil. Um estudo da década de 1990 e publicado no livro “Media Equation” já demonstrou que interagimos com máquinas da mesma forma que  interagimos com humanos.

 

Uma analogia interessante, que facilita entender os conceitos por mim utilizados para discutir interatividade na educação, é relacioná-los com algo, digamos, mais “concreto”: a radiação. Vejamos:

 

radiação: transmissão de energia por meio de ondas eletromagnéticas, ou partículas, através do espaço. 

 

radioativo: algo que produz radiação.

 

radioatividade: nível ou intensidade (potencial) de algo produzir radiação. 

  

Deixados claros (espero) os conceitos com os quais trabalharei, vamos às discussões.

 

O “diálogo” é um conceito tão importante, que é tema caro a muitos filósofos e educadores renomados, de Platão a Paulo Freire. Diálogo é um caso particular de “interação”, na qual haja interesse mútuo. São inúmeras as teorias e metodologias pedagógicas que colocam “diálogo” ou interatividade, explícita ou implicitamente, como parte importante do processo de aprendizagem.  Você já deve ter se lembrado de alguma delas, certo? As famosas "metodologias ativas”, por exemplo, são recheadas de interatividade. A gamificação, outra técnica que vem sendo muito recomendada para aplicação em educação (você pode assistir aqui a uma palestra minha sobre esse assunto), não existe sem interatividade. 

 

Michael Moore, quando apresentou o conceito de "distância transacional'' no artigo que mencionei em meu texto anterior, coloca o “diálogo” como um importante fator na redução da percepção de distanciamento. A teoria de Moore é uma possível explicação para a correlação entre interatividade e redução da percepção de distanciamento. Também podemos fazer algumas especulações pseudo-científicas para entender porque “a interatividade aproxima”, como por exemplo o fato de que a tecnologia que possibilita interatividade remota existe há muito pouco tempo em relação ao longuíssimo período da evolução humana e que, portanto, nossos instintos estariam programados para entender que “se posso interagir com algo ou alguém é porque estamos presentes no mesmo espaço ou a uma distância pequena, que viabilize a interatividade”.

 

Se ainda não se convenceu, peço que busque em sua memória alguma atividade remota que desenvolveu (pense em algo como um chat, um game online, uma aula virtual, um trabalho colaborativo mediado por tecnologia, ou mesmo um simples, e hoje quase em desuso, telefonema). Mas não serve qualquer atividade. Precisa ser uma em que você tenha se sentido muito presente e envolvido(a). Pronto? Muito bem. Agora veja se vai concordar comigo. Aposto que nessa atividade resgatada você sentiu que havia interatividade e que também houve momentos em que nem fazia diferença se as pessoas, personagens ou objetos com os quais interagia estivessem fisicamente ao seu lado, a quilômetros de distância ou que apenas existissem nos códigos digitais, pois o importante é que você sentia que estavam presentes. Você estava presente naquela atividade! Acertei ou não?

 

Bem, espero ter conseguido ser convincente quanto à importância da interatividade para a percepção de presencialidade. A presencialidade (percepção de se estar presente) não depende do distanciamento físico, mas de haver interatividade e engajamento, a ponto de esquecermos que existe uma mediação tecnológica atuando para nos aproximar (ou para possibilitar interatividade). 

 

Repare que venho insistindo no termo “interatividade” e não em “interação”. Por que é importante fazer essa diferenciação?

 

Porque não há necessidade de que interações de fato ocorram para que a interatividade (o potencial para se interagir) seja percebida.

Porque a interatividade já é suficiente para nos dar sensação de presencialidade.

Porque nem sempre é viável que todos os participantes de determinada atividade de fato interajam.

Porque é possível aumentar a interatividade e, consequentemente a presencialidade, mesmo em atividades pouco interativas, como aulas expositivas. 

 

Essa sutil diferença (a interatividade poder ser percebida mesmo que não ocorra interação) faz toda diferença! Uma coisa é planejar uma atividade educacional pressupondo que todos os participantes precisam necessariamente interagir, outra é visar que todos percebam interatividade, mesmo que nem todos interajam.

 

Vou exemplificar com dois trechos de um filme muito bom (se ainda não o assistiu, recomendo que o faça): “O Espelho tem Duas Faces”. Mas pode assistir aos trechos a seguir, pois não contém spoiler. Então clica aí nos links que eu fico aguardando você retornar.

 

Cena 1 - Aula de Matemática 

Cena 2 - Aula de Literatura

 

Já de volta? Obrigado por retornar. Então, o que achou? O que diferencia as duas aulas, além de seus conteúdos? Ambos os professores conhecem muito bem e são apaixonados pelo assunto que lecionam. Mas um deles é muito mais próximo dos alunos (ok, você pode argumentar que caminhar pela sala aproxima; concordo, mas se a aula fosse online e as interações as mesmas, ainda assim haveria muita interatividade naquela aula, mesmo que o número de interações seja muito pequeno em relação à quantidade de alunos; também pode dizer que falar sobre algo que seja significativo para os alunos os envolve mais do que discutir temas abstratos e distantes da realidade; de acordo, mas imagine o mesmo conteúdo sendo apresentado de forma expositiva, sem interatividade).

 

Claro que a interatividade não é o único fator de aproximação, mas a falta dela pode provocar distanciamento até mesmo em aulas em que, por definição, todos estejam presentes, ao menos fisicamente (vide o exemplo da cena do filme de aula fisicamente presencial em que os alunos não sentem interatividade). Numa atividade remota não há essa presença “forçada” pelo espaço físico, restando apenas a interatividade para propiciar o sentimento de presença nos participantes. 

 

Agora vou levantar uma questão interessante. Será que aquela aula fisicamente presencial, mas sem interatividade, ficaria melhor ou pior se disponibilizada na forma de aula pré-gravada? 

.

.

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Pronto?

.

Aí vai a minha resposta.

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Muito provavelmente, na forma gravada ficará melhor, porque o aluno poderá pausar, acelerar, retornar, pular etc. Mesmo que assista à vídeo-aula sem fazer nenhuma dessas ações, ele saberá que poderia se quisesse. Portanto, ele sentirá mais interatividade com o conteúdo (claro que não com o professor, mas no caso do exemplo, mesmo na sala de aula física não sentiria) e participará da video-aula com mais "presencialidade". Já aquela aula com muita interatividade do professor funcionaria bem tanto no espaço físico quanto no virtual síncrono. Mas e se gravássemos aquela aula cheia de interatividade e a publicássemos como vídeo-aula? A percepção de interatividade, claro, não seria a mesma, já que o aluno saberia estar impossibilitado de interagir. Porém, por empatia com os participantes da aula gravada ele vai perceber maior interatividade e ficar mais interessado, mais presente que numa aula expositiva sem interatividade. Fazendo uma comparação, os programas de TV, mesmo os gravados, costumam colocar um auditório, pois isso faz o público remoto se sentir mais próximo.  

 

Por fim, apresento os 4 fatores que influenciam na percepção de interatividade, segundo Blenda Laurel em seu livro Computers as Theatre:

  • frequência:  com que frequência ocorrem oportunidades para interagir?

  • abrangência: quantas escolhas são disponíveis quando se interage?

  • significância: qual o impacto da escolha no processo?

  • participação: percepção de poder participar

 

Então, ao planejar sua próxima atividade pense quando, como e quanto ela propicia aos participantes possibilidades de participação, e também quão significativa essa participação seria para eles. Verá que isso funciona melhor do que aquela ideia de senso comum de que quanto mais interações houver, mesmo que forçadas e sem muito sentido para os participantes, melhor.

 

Ah, antes de me despedir, deixe-me colocar outra questão para sua reflexão. Sabemos que é essencial termos nossos alunos presentes, seja no espaço virtual ou no físico. Mas ainda é possível melhorar. E se, além de presente, o aluno estiver envolvido, imerso, na atividade? Não seria o máximo? Pois bem, este é o assunto que discutiremos  em meu próximo texto. Até lá.

 

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