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08 dez 2021

Se motivar aluno é difícil, pelo menos saiba como não desmotivá-lo

Autor convidado: Romero Tori
Se motivar aluno é difícil, pelo menos saiba como não desmotivá-lo


 

Conforme prometido em minha última matéria deste blog ( “Interatividade é a verdadeira presencialidade” ),

nesta discutirei a seguinte questão: 

“E se, além de presente, o aluno estiver envolvido, imerso, na atividade? Não seria o máximo?”

Provavelmente sua resposta deve ter sido “SIM !”.

O sonho de qualquer educador é ver seu aluno envolvido e imerso em atividades de aprendizagem. Vimos que a interatividade é essencial para que o aluno se sinta presente. Mas como fazê-lo mergulhar, com foco e entusiasmo, no processo de aprendizagem? Infelizmente não há receita pronta e infalível para se conseguir esse feito. Mas entender os passos percorridos pelo aluno até chegar nesse tão sonhado estado ajuda-nos a facilitar sua ocorrência. 

 

O primeiro passo para que o envolvimento ocorra é a motivação. Aluno desmotivado não se envolve  com as atividades propostas (ou impostas). Provavelmente nem mesmo as inicie.

 

Há dois tipos de motivação: extrínseca e intrínseca. 

 

A motivação extrínseca é mais fácil de ser induzida, uma vez que pode ser trabalhada de maneira mais objetiva. Mas, por ser um fator externo à pessoa, esse recurso pode perder a eficácia muito rapidamente, além de nem sempre ser agradável, natural ou mesmo desejável. Qualquer estímulo externo que provoque ação por parte de quem é estimulado pode ser um fator de motivação extrínseca. Exemplos comuns na área educacional seriam: prova, presença obrigatória, premiações, menções honrosas, nota, estímulos vindos de professores e/ou colegas e/ou amigos e/ou familiares, bolsas de estudo, necessidade profissional, pressão social etc. Um grande problema da motivação extrínseca é que, em geral, esta cessa tão logo o estímulo seja interrompido. Pior, a retirada do estímulo pode se transformar em desmotivação. Exemplo: suponha um(a) aluno(a) que perde uma bolsa de estudos; muito provavelmente ele(a) ficará mais desmotivado(a) do que estava antes de ter conseguido a bolsa.  No meio corporativo vários estudos demonstraram que motivações extrínsecas, como aumento de salário e premiações, não são suficientes para manter o funcionário motivado e engajado. Claro que se a pessoa tiver um salário muito ruim acabará desmotivada pela falta de reconhecimento ou por não conseguir suprir suas necessidades financeiras.  No entanto, é muito comum encontrar trabalhadores infelizes recebendo salários ótimos, que, motivados apenas extrinsecamente, acabaram reféns dessa força externa, e o trabalho se tornou um sacrifício para eles. 

 

Por outro lado, é difícil haver trabalhadores voluntários que estejam desmotivados com suas atividades  pro bono. Em geral, quem presta serviços voluntários o faz por motivação intrínseca. Trata-se de decisão pessoal, que não depende de estímulos externos para ocorrer. Aquilo que se faz por motivação própria é gratificante, recompensador, causa menos estresse e menos cansaço. É fácil perceber quando alguém está engajado em algo por motivação própria. Muitos nem consideram trabalho. Há até um ditado popular que diz mais ou menos o seguinte 

“trabalhe com o que gosta e não mais será obrigado a trabalhar”  

Propositalmente eu alterei ligeiramente a frase, que usualmente diz “não mais terá que trabalhar”. De fato, quando você faz algo porque gosta, porque deseja, enfim, porque possui motivação intrínseca para fazê-lo, o faz com prazer e não por obrigação. Então, trabalhar com o que se gosta de fazer, é também trabalho, mas não é “trabalho por obrigação”.  Aquilo que é realizado apenas por motivação causada por estímulos externos é encarado mais como compromisso, obrigação, necessidade, do que como desejo ou motivação. 

    

Dessa forma, apesar de ser tentador, para nós educadores, lançarmos mão de estímulos externos para motivar nossos alunos, pela facilidade que têm de provocar mobilização, como provas e premiações, é a motivação intrínseca que precisa ser fomentada e viabilizada. Devido à subjetividade inerente a esse tipo de motivação, não há como se garantir que ocorrerá, por melhores que sejam as condições criadas para tal. Mas é muito fácil garantir que não ocorra. Basta que não seja atendido apenas um entre três requisitos básicos que são condição necessária para a ocorrência de motivação intrínseca, apresentados no livro “Why we do what we do”, de Deci e Flaste.  Esses requisitos se referem a três percepções que devem ser sentidas por parte do sujeito. São elas:

 

Autonomia: sentimento de que temos o poder de interferir no processo, que estamos fazendo algo porque decidimos fazer daquela forma, enfim, que temos algum poder de decisão (muitas vezes, ouvir os alunos ou dar-lhes opções de atividades e temas, já ajuda a melhorar essa percepção);

 

Competência: sentimento de que temos capacidade de fazer aquilo que nos propusemos a realizar (conhecer os potenciais dos alunos, saber adaptar os desafios às suas competências é essencial, mas fazer com que o aluno tenha consciência de que está capacitado é igualmente importante);

 

Pertencimento: sentimento de que fazemos parte de algo importante, de que o que estamos fazendo terá repercussões em nosso entorno, que seremos reconhecidos (entender a importância e o significado do que está aprendendo, estudar conteúdos que sejam adaptados às suas realidades, ter seus resultados divulgados para fora da sala de aula, e desenvolver atividades colaborativas, são alguns dos elementos que contribuem para esse sentimento).

 

Se seu aluno estiver motivado, pode verificar que esses três sentimentos devem estar presentes. Pena que a existência desses requisitos não seja garantia de motivação.   

 

Já avisei no título que é difícil motivar. Também informei logo no primeiro parágrafo que não existe receita para criar motivação nos alunos. Mas há uma receita que é  muito fácil. Trata-se da “receita para desmotivar”. Como não é essa sua intenção, talvez não se interesse em conhecê-la. Mas deveria. Para que possa, ao menos, cuidar de não aplicá-la inadvertidamente. Então vamos a ela.

 

Receita para desmotivar

Basta impedir que um dos três requisitos da motivação intrínseca ocorra.

  • Tire a autonomia e a pessoa só fará algo se motivado externamente;

  • Faça com que a pessoa se sinta incompetente para realizar determinada atividade, que ela só tentará realizá-la se for forçada a fazê-lo;

  • Peça para alguém fazer algo que a pessoa não perceba sua importância, interesse ou impacto, que ela, se fizer, o fará contrariada ou de forma displicente. 

 

Agora que aprendeu a fórmula da desmotivação é só não aplicá-la. Não aplicar tal fórmula, ou seja, não impedir que ocorra um ou mais dos três requisitos básicos para emergência de motivação intrínseca, é um passo importante para que ela de fato ocorra. Tenho certeza que sua didática, seus conteúdos relevantes, e seu uso adequado de mídias, tecnologias e metodologias, farão o restante do trabalho. Mas não custa dar uma revisada geral, para ver se não há algum componente da “receita para desmotivar” infiltrado no seu processo.   

 

Espero que tenha gostado desta postagem.

 

“Espera aí!” você pode me interpelar. “No início desta matéria, você falou que ‘o primeiro passo para que o envolvimento ocorra é a motivação’. Qual seria, então, o próximo?”

 

Verdade. Uma coisa é ter motivação para iniciar uma atividade. Outra é a pessoa se manter engajada, envolvida, imersa naquilo que está fazendo. O estado em que adoraríamos ver nossos alunos é aquele que observamos em jovens (às vezes nem tanto) gamers, focados na atividade de jogar, sem perceber o passar do tempo nem o mundo ao seu redor, tirando o máximo de suas competências. Esse estado, que pode ocorrer em qualquer contexto, não apenas no ato de jogar, tem nome: Flow. Os designers de games conhecem muito bem essa teoria, desenvolvida por Mihaly Csikszentmihalyi, psicólogo, professor e pesquisador, que infelizmente nos deixou no mês passado. Conhecê-la é muito importante para melhor entender os fatores que mantêm ou tiram uma pessoa do estado de flow. Professores também deveriam conhecê-la.

 

Falarei sobre flow em meu próximo texto neste blog. Até lá.    

 

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Saiba mais sobre o autor:


 

Romero Tori é membro do Conselho da Bett Educar, Professor Associado 3 da Escola Politécnica da USP, autor do livro “Educação sem Distância” e mantém o blog "Educação sem Distância".


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