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A nova cara da educação infantil em tempos de BNCC

Geraldo Peçanha de Almeida
A nova cara da educação infantil em tempos de BNCC
Espera-se agora, com essa injeção de teorias e procedimentos, que toda escola no Brasil seja verdadeiramente uma terra de crianças, de seres em construção, que vivem pela descoberta e revivem pela imaginação


O futuro da educação infantil está no presente e o presente da educação infantil é a criança como foco de preocupação da sociedade em seu todo. Assim define-se a importância da BNCC para o contexto da infância no Brasil. A base nacional pressupõe, e tenta assegurar a partir de agora, com políticas e práticas de operacionalização, a implantação, o desenvolvimento, e as melhorias desse documento norteador para o desenvolvimento de projetos educativos voltados aos primeiros ciclos de aprendizagem do ser humano – uma evolução em termos pedagógicos no país.

Em um resumo breve, vamos perceber uma educação infantil, como modalidade reconhecida dentro do Ministério de Educação, com uma história de pouco mais de duas décadas. Sim, para quem não se lembra, pouco tempo faz que a educação infantil entrou, de fato, nas políticas de educação como base de um processo que se desenvolve por longos e longos anos.

Sem dinheiros desencadeados pelos governos em todas as esferas, municipais, estaduais e federais, saímos dos anos 80, de uma quase educação infantil, com finalidade apenas de cuidar da criança enquanto a mãe trabalhadora pudesse desenvolver as atividades de sustento da família para chegarmos hoje a outra realidade que mescla, por certo, atividades de proteção e amparo à criança filha da mãe trabalhadora, mas também, e sobretudo, ações educativas tanto para essas crianças oriundas das classes operárias quanto às demais.

Hoje, todas as crianças podem frequentar uma escola a partir da mais tenra idade. Considera-se aqui a realidade brasileira também de pouco acesso ou da falta dele ainda verificada no sistema público. Fora essa única condição, toda criança está apta a frequentar uma escola desde os primeiros meses de vida, em creches organizadas com projeto para desenvolver a saúde, a higiene, a alimentação em suas diferentes fases – líquida, pastosa e sólida; chegando aos estímulos e despertares de potenciais cognitivos trazidos na BNCC. 

No passado, sem programas que de fato que pensasse a criança em sua multiplicidade de potenciais e, sem práticas anteriores a serem melhoradas ou aperfeiçoadas, tudo precisou ser construído e é claro que tivemos problemas, tivermos desencontros, tivermos testagens até chegarmos aqui, na base nacional, que não é o ponto final, que não é a totalidade e não é justamente porque a criança precisa de um projeto educativo que acompanhe seu tempo, seu movimento, sua história social.

Nesses últimos 20 anos vivemos uma revolução no mundo por conta da era digital e a criança integrou essa condição ao seu desenvolvimento global. Assim, a escola teve que repensar o que fazer com essa nova realidade, mesmo sem saber por onde começar tentou-se, e ainda é preciso tentar muito mais, agora com a BNCC, produzir práticas metodológicas que tragam para a criança na sala de aula o mundo todo que está dentro dela, o mundo todo que ela convive, incluindo todas as tecnologias contidas nele.

Passamos nesse período por modismos educacionais, para uns; tentativas equivocadas, para outros e erros de condução para muitos. Habilidades e competências, pedagogias de projetos, referenciais curriculares nacionais, inteligências múltiplas, cuidar e educar, de tudo já tivemos um pouco, mas, o que se sabe é que nunca na história educacional brasileira, tivemos um documento tão norteador e tão profícuo à educação infantil, quanto a BNCC.

A legitimação do documento é o primeiro ponto forte. Sua fazedura contou com múltiplos olhares, de diferentes categorias, oriundos dos diversos contextos sociais e, por fim, uma consulta pública legitimou o trabalho. O segundo ponto forte do documento é que ele apresenta parâmetros. Esses parâmetros não são e não devem ser entendidos como modelos obrigatórios, mas como “medidas” a que escolas e redes de ensino de quaisquer tamanhos podem se referenciar. Essas medidas, chamadas de habilidades e competências, compõe um conjunto de referência do potencial de uma criança naquele momento do desenvolvimento biológico, por exemplo.

As exceções ficaram para o terceiro ponto positivo do documento, a BNCC, que traz apenas 60% dessas “medidas” deixando 40% delas para escolas, redes, municípios e organizações educativas. Considerar a realidade de um país para fins de direcionamento era um desejo grande da classe de educadores, sejam eles das redes públicas ou privadas. Mas dar liberdade para que cada célula educativa pudesse propor suas condições e contextos era outro desejo ainda maior.

Ao final dessa construção, chegou-se a uma BNCC, documento que norteia, abre caminhos para que nós, pais, comunidades, educadores e governos, possamos, a partir dele, pensar a criança como ser potencialmente dotado de pleno desenvolvimento cognitivo, ao mesmo tempo em que se assegura a cada criança, direitos de brincar, integrar, propor, participar e viver plenamente todos os sonhos da infância.

Em termos didáticos a BNCC evolui dos antigos referencias nacionais curriculares (natureza e sociedade, identidade e autonomia, linguagem oral e escrita, raciocínio lógico matemático, artes visuais, movimento e música), para os atuais campos de experiências.

Mas, afinal, o que são campos de experiências?

Na BNCC, eles são 5 e compõe a espinha central do projeto educativo. Essa contribuição parcial e não total, como já dissemos, é parte, na verdade, dessa coluna mestra pensada e desejada para a educação infantil pois sua completude ainda necessita do sabor local, da entrada do contexto e realidade de cada célula educativa – 40%. Quando, por fim, o trabalho de gestores e educadores, ouvindo suas comunidades, for concluído, teremos, de fato, uma coluna central de intenção que comporá, finalmente, um currículo novo e pertinente às crianças. Ou seja, a BNCC não é um currículo pronto, é uma espécie de receita básica para ser enriquecida, feita, testada e aprovada por toda a comunidade.

  • O eu, o outro e o nós...
  • Corpo, gestos e movimentos...
  • Traços, sons, cores e formas...
  • Escuta, fala, pensamento e imaginação...
  • Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.

São os cinco campos de experiências trazidos pela base. Em cada um deles um direcionamento que pensa sempre um todo de trabalho pedagógico. Neles foram incluídas questões como planejamento de eventos até uso frequente de tecnologias. Ou seja, é a criança sendo vista e compreendida no seu tempo. Cabe agora às escolas lançar olhares focados e contextualizados e coroar, com sabores locais, a sua base, a base da criança, a base da família, a base da sociedade.

É muito importante deixar claro que a base nacional para educação infantil traz ainda outras importantes contribuições, legitimadas ao longo desse passado político e histórico da criança. Competências gerais. Essa é a expressão. Aqui o foco recai sobre a escola e seu projeto político pedagógico. Esse PPP deverá assegurar, a qualquer custo, todos os diretos gerais da educação básica, o que significa que eles se iniciam na educação infantil e vão até o final da educação básica no ensino médio.

É um projeto caro, caro à escola, caro a sociedade, caro ao educador. Caro no sentido que ele exigirá investimentos muito valiosos e não estou falando de finanças. Falo de valores humanos, altruísmo, cooperativismo, voluntariado, ofício educativo, todos já referendados e legitimados desde a LDB. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva é o primeiro desses valores, chamados na BNCC de competências gerais.

Falo de valores porque se a escola não entender que toda a sociedade vê esse movimento como um valor humano sem negociação nada disso poderá acontecer. Não se pode imaginar a educação de uma criança hoje sem o uso de tecnologia. Não se pode pensar em qualquer projeto educativo sem pensar na inclusão. Ambos são traços da democracia e do futuro.

No caminho desse pensamento a segunda competência nos propõe a exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

Quer dizer, nossas crianças podem pensar na escola, podem propor, podem ser protagonistas de seus desenvolvimentos. Isso é um valor, uma postura, um gesto de um projeto educativo. Muito além de ser uma competência a ser desenvolvida, é preciso encarar isso como um valor para a sociedade – que as crianças aprendam o protagonismo social também na escola. Essa é a nova regra. 

A valorização e o fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural foi outra competência plasmada na BNCC e que chega em hora adequada no contexto brasileiro em que vimos diariamente os conflitos em torno da legitimidade dos discursos das minorias, das representatividades e das diferenças religiosas.

Para isso, tomou-se o cuidado de deixar registrado que é uma competência da criança da educação infantil a utilização de diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

Quer dizer, uma coisa leva a outra e todas levam a criança ao desenvolvimento pleno, cósmico ao modo pensado por Montessori. As questões globais também estão na base nacional para educação infantil, isso mostra um rompimento com aquilo que chegou a existir na educação infantil no início desse século, de que a criança deveria receber uma educação local.

Essa discussão já superada é trazida na BNCC como uma proposta de competência – possibilitar à criança a argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

Mais um ponto para a criança, mais um ponto para a sociedade, mais um compromisso na base com a infância.  A questão emocional, de suma importância ao trabalho pedagógico de hoje, pois como está em Wallon – a emoção antecipa a linguagem, também é vista aqui e deve ser planejada nas práticas pedagógicas da escola. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas são as palavras que precisam ganhar projetos em cada célula educativa. 

E, por fim, dentro desse contexto de  desenvolvimento de competências gerais, a BNCC ainda traz exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais; a ação pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Assim, conclui-se as orientações sobre as competências gerias e abre-se aqui a importância do trabalho com as competências socioemocionais, outra inovação da BNCC. São ao todo mais de 50 competências socioemocionais propostas ao longo da educação básica e a meu ver o coração da base está justamente nesse trabalho – a emoção, o amparo e a empatia tornaram-se o maior desafio da escola em tempos de degenerescência social. Só o valor humano, só o movimento coletivo e harmonioso poderá nos garantir um futuro humano, caso contrário de conflitos em conflitos, chegaremos, por fim, à selvageria social. O respeito, os valores humanos e a convivência, chamada na educação infantil de socialização, é o maior ganho que uma criança tem ao participar de uma proposta educativa com base nesses fatores.

Há outra questão importante na BNCC que é a nova divisão de etapas. Antes a educação infantil não considera, em documentos propositivos, essa divisão. Os bebês recebiam um trabalho pedagógico “adaptado” daquilo que se considerava ser a prioridade logo ali na frente, entre 3 e 5 anos.

Hoje, a prioridade é o tempo presente, o momento presente e o contexto presente. Ou seja, há saberes para cada momento da criança: antes do desenvolvimento da fala, para estimulá-la; há saberes para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da oralidade e há saberes para a retextualização da fala para a escrita. Tudo isso acontece de forma concatenada.  A nova divisão (Bebês - de 0 a 1 ano e 6 meses; Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses; Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)  é uma evolução em termos documentais mas é, sobretudo, uma evolução em termos atitudinais.

Espera-se agora, com essa injeção de teorias e procedimentos, que toda escola no Brasil seja verdadeiramente uma terra de crianças, de seres em construção, que vivem pela descoberta e revivem pela imaginação. Espera-se que a criança desenvolva o olhar amplo e majestoso ao mundo. Espera-se que a socialização e o compromisso como outro seja o norte de uma educação do presente pensada para fazer eco no futuro.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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