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O caminho do ChatGPT na escola

George R. Stein
O caminho do ChatGPT na escola
Imagem gerada pelo autor por meio da DALL·E 2, da OpenAI
Muito provavelmente estes programas conversacionais generativos já estão nas escolas. Talvez não de maneira intencional e institucionalizada, mas estão

O título deste artigo já traz um pressuposto: o ChatGPT, ou de maneira mais genérica, programas conversacionais generativos baseados em grandes modelos de linguagem que entendem e geram textos em linguagem natural - (LLM: Large Language Models) - entrarão nas escolas. Na realidade, muito provavelmente estes programas já estão nas escolas. Talvez não de maneira intencional e institucionalizada, mas estão. 

Provavelmente, "eles" já estão na escola

Desde dezembro de 2022 estes programas, representados pela disponibilização pública e gratuita do seu mais famoso representante, o ChatGPT, já estão disponíveis para qualquer pessoa que tenha acesso à internet. Além de ser um agente conversacional (um chatbot ou um "bate papo inteligente") que dialoga com seu usuário, ele tem funcionalidades que permitem responder questões avaliativas (tanto abertas quanto de múltipla escolha), elaborar textos, avaliações, exercícios e tabelas com formatos, características de narrativa e autoria e nível de elaboração de acordo com o que lhe é pedido. 

Assim sendo, passados praticamente dois meses desde o início das aulas, considerando-se o livre acesso e as notícias a respeito do ChatGPT e as funcionalidades apresentadas, é muito provável que, em qualquer escola que tenha alunos e/ou professores com acesso à internet, alguém já tenha utilizado de alguma maneira o ChatGPT.

Além de fazer parte do contexto social e da realidade de crianças, jovens e docentes que estão na escola, este tipo de Inteligência Artificial (IA) generativa já está alterando o mundo do trabalho de maneira ampla. As mais diversas atividades profissionais desde artistas, cientistas sociais, médicos, administradores, comunicadores, jornalistas e tantas outras já sentem a influência de ter um "assistente" capaz de consultar bilhões (ou até trilhões) de parâmetros e gerar um texto, uma imagem, uma melodia ou qualquer tipo de resultado compatível com a atividade humana.

A escola que genuinamente tem o propósito de desenvolver crianças e jovens para atuar de maneira responsável no mundo deve considerar esta potencialidade e incluir valores, atitudes, conceitos e práticas associadas à Inteligência Artificial Generativa na sua proposta.

Dois aspectos a considerar: riscos e o processo de mudança

Entretanto é crucial trazer dois aspectos antes de continuar com este raciocínio. A IA generativa apresenta imperfeições e riscos que devem ser considerados e o processo de transformação na escola deve considerar a realidade e as condições da comunidade escolar para fazê-lo.

Em relação a imperfeições e riscos: o próprio ChatGPT já explicita a possibilidade de suas respostas não estarem corretas, que sua base de conhecimento (fatos e eventos) está atualizada somente até 2021 e que pode produzir conteúdo enviesado. Portanto, o primeiro alerta é que as respostas obtidas não devem ser usadas como base de conhecimento. O conteúdo a ser ensinado precisa estar alinhado com conhecimento verificado, validado e já selecionado pela escola, o que não ocorre com uma resposta obtida diretamente no ChatGPT (já no próximo parágrafos você verá outras maneiras de uso indireto do ChatGPT)

Quanto ao processo de transformação da escola: mais do que um programa de livre acesso, o ChatGPT é um exemplo de funcionalidades e uma nova maneira de se interagir com conhecimento. Além dele, existem outros programas e possibilidades que vão muito além. Por exemplo: já é possível se ter o mesmo tipo de interação com diálogos e diversos formatos com conteúdos previamente definidos.

Ao invés de se buscar respostas na enorme base de dados do ChatGPT, pode-se ter um programa específico que usa tecnologia semelhante de um LLM, mas que busca o conteúdo somente em arquivos e textos previamente selecionados pela escola, além de direcionar atividades e formatos que a escola escolher. Isso significa um potencial de se rever não somente toda a oferta de material didático, mas a maneira de se interagir com os materiais disponíveis, a estruturação das aulas e avaliações e até a proposta pedagógica da escola. Entretanto, é crucial se ter em mente que a transformação a ser feita na escola deve ser feita "de dentro para fora". 

Qualquer escola já tem uma comunidade escolar - alunos, professores, famílias, colaboradores, parceiros e a comunidade de entorno - que estão comprometidos com o modelo de escola, com a proposta pedagógica e com os processos rotineiros. O potencial benéfico da inteligência artificial generativa deve ser incorporado nas escolas de maneira que gestores, professores, famílias e alunos possam se desenvolver e incorporar os benefícios, não de maneira abrupta e emergencial (como temos, infelizmente, o exemplo do Ensino Remoto Emergencial, por conta do isolamento social da pandemia de Covid-19), mas de modo integrado e coerente com os valores e proposta da escola. 

ChatGPT

Imagem gerada pelo autor por meio da DALL·E 2, da OpenAI

Caminhos do ChatGPT na escola

Ao se pensar sobre como o ChatGPT entrará nas escolas, mais do que uma reflexão, a ideia é indicar possíveis caminhos e, para tal, parece mais didático se pensar em alternativas ou "bifurcações" neste caminho. Vamos a elas:

De maneira ocasional ou intencional

Considerando-se que talvez o ChatGPT já esteja presente em algumas escolas, fica evidente uma primeira dicotomia sobre a entrada na escola: ela pode ocorrer de maneira ocasional ou intencional.

Aqui vale conhecer alguns resultados de uma pesquisa feita pela Walton Family Foundation, com 1.000 professores e 1.000 estudantes, nos Estados Unidos no inicio de março: 51% dos professores já usavam o ChatGPT, sendo que 72% dos professores e 63% dos alunos concordaram que o programa é um exemplo de porque não se pode continuar com práticas de aula desatualizadas no mundo atual.

Mesmo que o ChatGPT já esteja de alguma maneira na escola, é crucial a escola identificar, se posicionar e definir "se e como" irá integrar este novo tipo de tecnologia à sua proposta pedagógica. Ao não se posicionar sobre o assunto, deixando ao acaso e conforme a intenção pontual de professores e/ou alunos, a escola sinaliza para a comunidade escolar não estar atenta e consciente de uma importante mudança no contexto da sua comunidade escolar. Além disto, o uso por parte dos alunos sem uma orientação adequada, pode prejudicar a escola devido a tarefas e avaliações realizadas pelo programa de maneira à comprometer a aprendizagem e a avaliação dos alunos.

Visando a melhoria da aprendizagem e/ou a melhoria de processos

De maneira distinta da alternativa anterior, esta não é uma dicotomia, do tipo um ou outro caminho. Ao se pensar nos benefícios almejados, não somente se pode, como se deve pensar na melhoria da aprendizagem e na melhoria de processos.

Os agentes conversacionais inteligentes do tipo LLM (ou similares) tem seus riscos, mas é inegável a capacidade de consulta muito rápida a bases de conhecimento muito grande, aliado à qualidade da resposta em texto com versatilidade de formatos. Isto faz uma diferença importante em processos da escola. 

Mesmo com chance de se ter um conteúdo enviesado e algumas vezes inventado (sim, é possível que a resposta seja criada por uma combinação de informações incorretas, que recebe a denominação de "alucinação"), a utilização do programa para se ter um uso mais eficaz do tempo em atividades de gestão e preparação de atividades pedagógicas é valiosa. 

Atividades como gerar um calendário, escrever uma comunicação para colaboradores, um cardápio, até um plano de aula ou uma avaliação podem ser feitas (e corrigida) em questões de poucos minutos. Nunca é demais ressaltar, o "produto" gerado pelo programa nunca deve ser utilizado sem uma análise crítica de quem é responsável pela atividade. Mesmo assim o tempo ganho para se preparar uma primeira versão a ser analisada é muito grande e é possível se dedicar um tempo de qualidade para revisão, tendo ainda um ganho considerável de tempo. A Google, por exemplo, já anunciou o lançamento de Practice Sets: um conjunto de ferramentas online que ajudam em tarefas usuais de docentes.

Como curiosidade, dois dos apelidos mais frequentes do ChatGPT são "Copiloto" e "Assistente": em ambos os casos ele sugere um caminho, uma versão, um texto, mas a decisão final, ou o "controle do voo" é do profissional responsável.

Além dos processos de gestão, a capacidade destes tipos de programa tem um potencial benefício considerável para a aprendizagem. Mais uma vez, seja qual for a resposta gerada pelo programa, ela deve ser considerada como um "ingrediente" no processo de aprendizagem dos alunos e nunca como a receita final. As aplicações e práticas são inúmeras e o objetivo deste texto não é listá-las todas, mas indicar alguns benefícios.

Em atividades para aprendizagem, o programa tem sido apelidado de um "parceiro de estudos". De um modo geral, pensando-se em várias situações e atividades possíveis, o programa pode ser considerado aquele colega que sempre terá uma resposta, nem sempre certa e adequada, mas que pode ser analisada, criticada e/ou melhorada de forma a agregar aprendizagem.

É importante saber que a OpenAI (empresa criadora do ChatGPT) está fazendo melhorias frequentes e que lançou a API (interface de programação) do ChatGPT, que é um recurso que permite a integração da interface do chatbot a demais programas. Com isto mais do que simplesmente usar o ChatGPT (ou o seu modelo melhorado GPT4, que não é gratuito, mas tem uma qualidade de resposta ainda melhor), é possível se integrar a lógica e a capacidade do ChatGPT a programas que tenham sido desenvolvidos especialmente para escolas e usem uma base de conhecimento definida pela escola. 

Esta possibilidade faz com que uma escola possa contratar um programa de funcionalidades similares (ou até melhoradas) ao ChatGPT que, além de ser adequado à proposta pedagógica da escola e as suas práticas, faça uso exclusivo de dados, tarefas, fatos e quaisquer tipos de conteúdos que a escola escolha e valide. Isto direciona mais um conjunto de alternativas de caminhos.

ChatGPT na escola

Imagem gerada pelo autor por meio da DALL·E 2, da OpenAI

Integrado a soluções educacionais ou do modo que está disponível

A maneira mais imediata é a escola escolher direcionar o uso do ChatGPT como um programa aberto, do modo que está disponível atualmente, podendo optar em contratar a versão mais atual, com melhor performance (GPT4). A alternativa, que pode ser também adotada, é a escola contratar programas com soluções educacionais que tenham a tecnologia de LLMs incorporada.

Vale destacar que antes mesmo do ChatGPT, havia escolas no Brasil que já utilizavam programas que faziam uso de Inteligência Artificial para alguns fins. Não são raros programas capazes de direcionar exercícios para alunos de acordo como o nível de conhecimento, capazes de corrigir textos e fornecer correções individualizadas, entre outros. Agora, com o advento do ChatGPT e suas interfaces para demais programas, estão surgindo aplicativos e programas com funcionalidades ainda mais impressionantes e valiosas para a aprendizagem de todos os alunos. 

Talvez a mais promissora é um tutor digital personalizado que identifica e atua sobre a qualidade das atividades desempenhadas pelos alunos, dialogando e propondo novas abordagens para resolução de exercícios, revisões de conteúdo, exercícios complementares e atividades adicionais, se for o caso. Como exemplos, ainda em testes: a KhanAcademy lançou o Khanmigo que integra funcionalidades do GPT4, à plataforma KhanAcademy, e a Microsoft anunciou o Reading Coach que, fazendo uso de programas de voz com tecnologia GPT4, consegue avaliar e recomendar práticas para melhoria de leitura e oratória.

A complexidade de se ter novas plataformas e a velocidade de inovação tecnológica apontam para outra bifurcação no caminho de inovação.

De maneira pontual ou como parte de um processo de inovação

Uma maneira de se incorporar um novo programa ou tecnologia na escola é de maneira pontual, seguindo algumas etapas: uma análise de adequação, alinhamento à proposta da escola, viabilidade financeira e operacional e plano para implementação. 

Outra maneira é se pensar na escola como uma instituição que terá, cada vez mais e mais rápido, que aprender a se transformar; tendo, portanto, que instituir um processo interno de inovação mais abrangente que uma sequência de decisões para adoção de novas tecnologias. 

É fato que a pandemia em 2020 obrigou um processo de adoção de tecnologias de informação e comunicação que atualmente possibilita uma adoção mais rápida das ofertas de inteligência artificial. Observando as tendências e desenvolvimentos tecnológicos, cada vez mais as escolas estarão diante de novos processos e possibilidades viabilizados por novas tecnologias. A disponibilidade e integração dos LLM em novos programas indica um futuro próximo onde as escolas terão que conhecer, analisar, decidir e implementar mudanças na sua rotina que demandarão atitudes, pessoas, relacionamentos e processos não triviais nas rotinas anteriores. 

Felizmente não se trata de uma emergência tal qual a pandemia de Covid19 nos impôs, mas é importante estar ciente deste potencial cenário futuro e atentar por se tratar de potenciais transformações que impactam no modelo da escola. E isto nos leva à outra bifurcação

Integrada ou como suporte à revisão do modelo de escola

A incorporação do ChatGPT (ou programas similares/integrados) pode se dar de forma integrada à proposta atual da escola, como uma ferramenta a ser utilizada em atividades similares àquelas que já ocorrem. A organização dos objetivos de aprendizagem, a sequência de classes, matérias, conteúdos e projetos continua sem grandes alterações e a tecnologia é integrada ao que já existe.

A alternativa à isto é mais radical. O fato destes novos programas possibilitarem uma nova relação com o conhecimento, que, uma vez validado e disponível digitalmente, pode ser combinado, analisado e utilizado de maneira interdisciplinar, pode viabilizar um modelo de escola bem distinto do atual. A escola pode assumir e praticar que o papel mais importante dos docentes é desenvolver os alunos e não ensinar o conteúdo. Com o intuito de, de fato, botar o aluno no centro, a escola pode se transformar com as novas tecnologias e empoderamento dos professores.

Os docentes poderiam focar sua energia para serem melhores mediadores, cuidando do relacionamento humano com seus alunos, com uma mediação docente diferenciada na qual os quatro pilares da educação de Jacques Delors (saber aprender, saber fazer, saber ser e saber conviver) não sejam somente explicados, mas principalmente vividos. O docente, tendo o suporte da tecnologia, conseguiria direcionar atenção, recursos e cuidado para quem precisa, do jeito que precisa.

A maneira pela qual a escola coloca na prática a sua proposta pedagógica seria revisada com base no suporte da tecnologia para uma ação mais humana e valiosa dos professores.

A radicalidade desta última alternativa nos leva a última bifurcação deste caminho, e talvez a mais importante.

Via um processo colaborativo ou impositivo

Como pai, professor, pesquisador e consultor tenho um conjunto de experiências sobre processos de mudança em escolas. Nem sempre é possível prever o sucesso de uma transformação em uma escola, mas alguns elementos são forte indicativos de que o processo vai gerar mais "cicatrizes" do que se gostaria. 

Pressões de tempo, imposições hierárquicas, situações fora do controle da gestão por vezes obrigam processos impositivos. Em um processo essencialmente impositivo, a decisão pela mudança a ser feita (no caso a adoção de nova tecnologia), a escolha do caminho a seguir e o plano a ser traçado são efetivados sem qualquer escuta ou consideração à comunidade escolar.

Em um processo mais colaborativo procura-se ouvir, dialogar e deliberar (quando possível) com representantes da comunidade escolar para que as decisões e os planos sejam baseadas em situações reais: os desafios e oportunidades que alunos, professores e outros envolvidos vivenciam na escola. Apesar de estar ciente que escolas tem realidades diferentes e nem sempre é viável um processo colaborativo, serei aqui um pouco tendencioso.

Quando as decisões são direcionadas sem conhecimento da realidade na qual elas irão impactar, corre-se o risco de sua implementação ser pouco viável. A decisão de adoção de uma tecnologia que não seja viável na prática em uma escola, não é uma boa decisão: o esforço de torná-la viável pode ser desgastante, causar rupturas e ser em vão.

Ao planejar melhorias para a escola é importante considerar que o tempo mais nobre em uma escola é o tempo para aprendizagem integral dos alunos e o tempo dedicado dos docentes para que isto aconteça. 

Seja qual for a realidade da escola e o caminho escolhido para incorporar as novas tecnologias de inteligência artificial generativa é importante ouvir, dialogar, engajar e desenvolver a comunidade escolar neste caminho.

Por fim, não tem se passado uma semana na qual não tenhamos novidades midiáticas impactantes a respeito das novas inteligências artificiais generativas. A última foi uma carta aberta de empresários, historiadores, filósofos e políticos de renome pedindo para as grandes empresas desenvolvedoras que se fizesse uma moratória de seis meses no desenvolvimento de tecnologias mais avançadas do que o GPT4 para que seja possível definir melhor os usos e contoles, bem como mitigar riscos pelo uso indiscriminado e pouco regulado destas novas tecnologias. 

Vale pontuar que tudo que foi apresentado nos parágrafos anteriores já é uma realidade possível, independentemente da moratória proposta.

Se a incorporação crescente de tecnologias de informação e comunicação, agora com inteligência artificial generativa, é um caminho sem volta na escola, que possamos trilhar este caminho de maneira ética, coerente, colaborativa e com foco em propiciar aprendizagem para todos.

Sobre o autor:

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.

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