O cuidado como princípio educacional
No diálogo que tenho mantido com várias secretarias municipais de educação, bem como com escolas públicas ou privadas, fica patente a acentuação das desigualdades provocada pelos tempos de distanciamento social.
Ao sentimento de luto, o sofrimento e o desgaste emocional do risco continuado vivenciados por educadores somam-se agora as marcas trazidas por estudantes, que tiveram um brutal impacto da pandemia devido ao maior ou menor sentimento de insegurança, perdas e danos que os alcançaram pessoalmente ou num contexto próximo.
No entanto, há razões para otimismo mesmo em meio aos desafios dessa nova fase pandêmica na qual nos encontramos. Basta analisar as possibilidades de inovação educacional abertas com a nova regulação da Educação Profissional e Tecnológica; a implementação do Novo Ensino Médio; a interdisciplinaridade proposta na Base Nacional Comum Curricular – BNCC; a possível aprovação pelo Congresso Nacional do tão ansiado Sistema Nacional de Educação; as mudanças do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb; e, sem querer esgotar os temas, as consultas públicas promovidas pelo Conselho Nacional de Educação sobre Aprendizagem Híbrida e o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem.
São políticas públicas que apontam para a necessidade de refundar as práticas didático-pedagógicas e implementar hoje uma escola que ajude a construir um futuro melhor, onde os princípios democráticos e a tecnologia colaborem de forma intensiva para melhorar a experiência de aprendizagem de novos perfis de estudantes.
Recomendo a leitura atenta do Documento de Referência da Conferência Nacional de Educação – CONAE 2022, que foi disponibilizado como um insumo a mais para a elaboração do Plano Nacional de Educação 2024 – 2034 – aliás, no que já se configura como uma excelente oportunidade de mudar o rumo da história para promover o bem comum, a inclusão, a equidade e a qualidade na educação.
No retorno das aulas e demais atividades realizadas nas escolas o que se percebe de pronto é a necessidade de aproveitar a experiência da educação a distância para mitigar os problemas relacionados à distância transacional*. Trata-se de uma teoria pensada originalmente para a EAD, mas que cabe também para analisar alguns fenômenos presentes no ensino presencial, graças à porosidade das fronteiras gerada pela onipresença das telas e dos recursos digitais.
Resumidamente, na Teoria da Distância Transacional, o diálogo entre estudantes e docentes é compreendido como intencional, construtivo, democrático e valorizado por cada parte, onde todos podem e devem contribuir, sendo direcionado para o aperfeiçoamento mútuo. A maior ou menor estruturação prévia, ora nos meios digitais, vai expressar o nível de flexibilidade dos percursos e dos objetivos educacionais, das estratégias de ensino e dos métodos de avaliação da aprendizagem. A autonomia discente é o terceiro item em análise, podendo ser mais ou menos estimulada e prevista na elaboração de um programa educacional. A figura 1 ilustra quando esses três componentes se relacionam para gerar uma baixa ou uma alta distância transacional.
Uma pesquisa** recente verificou que “37% dos estudantes ainda podem desistir da escola, na percepção dos responsáveis, se mantém e nível preocupante e a maior parte desses estudantes pode desistir por não estarem conseguindo acompanhar as atividades e por terem perdido o interesse pelos estudos; cerca de 13% podem não retornar por não se sentirem acolhidos pela escola e 45% por não estar conseguindo acompanhar as atividades. ” É um sinal claro de que, além de tentar diminuir a distância transacional, caberá aos educadores e gestores exercerem uma atitude de cuidado – uns com os outros e com os estudantes.
Cuidado aqui entendido como uma amálgama de empatia – colocar-se no lugar do outro -, solidariedade – mover-se em prol do outro -, e compaixão – superar a indiferença, sentir como sua a dor do outro e assumir como tarefa prioritária amenizar ou eliminar o sofrimento alheio.
Saiba mais sobre o autor:
Luciano Sathler é PhD em Administração pela FEA/USP. Membro do Comitê de Educação Básica da Associação Brasileira de Educação a Distância - ABED. Membro do Conselho Deliberativo do CNPq. Reitor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Seus artigos, entrevistas e apresentações podem ser acessados no link https://www.researchgate.net/profile/Luciano-Sathler.
* O artigo original de Michael Moore, que apresenta o conceito de distância transacional, é de 1993. O Prof. Wilson Azevedo gentilmente o traduziu para o português brasileiro. Ver em MOORE, Michael G. Teoria da distância transacional. In Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância, São Paulo, v.1, agosto 2002. Disponível em http://seer.abed.net.br/index.php/RBAAD/article/view/111, acesso em 20/11/2021.
** DATAFOLHA. Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias: onda 7, amostra nacional, Setembro/21. Disponível em https://www.itausocial.org.br/publicacoes/, acess
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