Resolução Conanda nº 245 fortalecendo a proteção digital para crianças e adolescentes
A rápida digitalização de nossa sociedade tem trazido consigo não apenas avanços, mas também novas preocupações e riscos, especialmente, em relação às crianças e adolescentes.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão colegiado permanente e autônomo, integrante da Presidência da República sancionou, em 05 de abril de 2024, a Resolução Conanda nº 245, que surge como uma resposta legislativa crucial no Brasil, buscando oferecer um ambiente digital mais seguro para o público jovem.
Esta legislação complementa normas existentes e introduz diretrizes específicas para a proteção integral de crianças e adolescentes na esfera digital, abordando desde o acesso seguro à informação até a proteção contra abusos como cyberbullying e exploração sexual.
A Resolução Conanda nº 245 representa uma evolução significativa na abordagem de proteção digital para crianças e adolescentes no Brasil. Esta legislação não somente redistribui as responsabilidades de cuidado e proteção do ambiente privado para o coletivo, mas também reforça a noção de que todos os segmentos da sociedade são guardiões dos direitos digitais dos jovens.
Diferentemente das abordagens anteriores, que frequentemente colocavam o ônus da proteção digital majoritariamente sobre os pais, a Resolução Conanda nº 245 amplia essa responsabilidade, incluindo uma variedade de atores. O poder público tem o dever de criar e implementar políticas que garantam a segurança digital de crianças e adolescentes, as empresas de tecnologia são obrigadas a considerar os direitos dos jovens em todas as fases de desenvolvimento e implementação de produtos, e a sociedade civil deve participar ativamente na promoção de um ambiente digital seguro.
Princípios fundamentais
A resolução é fundamentada em princípios éticos robustos, que servem como alicerce para as diversas medidas específicas que ela propõe:
- Não Discriminação: garantir que nenhum jovem seja excluído dos benefícios da vida digital devido a suas condições socioeconômicas, culturais, étnicas, ou qualquer outro motivo. Este princípio é crucial para um país diversificado como o Brasil, onde as disparidades podem ser significativas.
- Interesse Superior da Criança: todas as ações e políticas contempladas pela resolução devem prioritariamente considerar o bem-estar dos jovens. Isso significa que as considerações econômicas ou tecnológicas não podem sobrepor-se aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes.
Neste sentido, a resolução enfatiza o acesso seguro à tecnologia como um direito fundamental. Isso não implica apenas em prover meios para acessar a internet, mas assegurar que esse acesso seja conduzido de maneira que proteja os jovens de conteúdos nocivos, abusos e explorações. O acesso seguro também está intrinsecamente ligado à qualidade educacional, preparando-os para interagir de forma crítica e consciente com o meio digital.
O destaque para a inclusão digital é particularmente relevante em um contexto de desigualdades acentuadas. A Resolução reconhece que sem uma intervenção ativa para democratizar o acesso à tecnologia, a exclusão digital poderia perpetuar e até intensificar as desigualdades sociais e econômicas existentes.
Neste sentido, a legislação propõe não apenas o acesso físico à tecnologia, mas também a capacitação digital, assegurando que todas as crianças e adolescentes, independentemente de seu background, possam se beneficiar plenamente das oportunidades que o mundo digital oferece.
Essas diretrizes da Resolução ilustram um compromisso com um ambiente digital que seja inclusivo, seguro e propício ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. A abordagem multifacetada requer a colaboração entre diferentes setores e, se bem implementada, tem o potencial de transformar significativamente o panorama digital brasileiro para o público jovem.
Novidades introduzidas pela resolução Conanda nº 245
O novo regramento traz uma abordagem inovadora e abrangente para a educação digital no Brasil, colocando um foco intenso na capacitação de crianças e adolescentes para que interajam de maneira segura e responsável no ambiente online.
Este novo mandato legislativo reconhece a necessidade urgente de equipar o público mais jovem com as ferramentas e o conhecimento necessários para navegar na internet, não apenas como consumidores de conteúdo, mas como cidadãos digitais ativos e informados.
Desenvolvimento de políticas educativas
A resolução estabelece diretrizes claras para o desenvolvimento e implementação de políticas educativas que abrangem uma ampla gama de competências digitais.
Estas políticas são projetadas para ensinar habilidades essenciais, como a capacidade de avaliar a credibilidade das informações online, entender as configurações de privacidade e segurança dos diferentes plataformas e aplicativos, e reconhecer e responder a conteúdos ou comportamentos potencialmente perigosos.
Além disso, a legislação enfatiza a importância de instruir crianças e adolescentes sobre seus direitos digitais, incluindo o direito à privacidade, à liberdade de expressão online e ao acesso equitativo às tecnologias digitais.
Formação de habilidades digitais
A formação de habilidades digitais proposta vai além do simples uso funcional da tecnologia; ela busca desenvolver uma compreensão profunda sobre como as tecnologias funcionam e como elas podem ser utilizadas de forma criativa e produtiva. Isso inclui ensinar programação básica, segurança cibernética, ética digital, e a aplicação prática de tecnologias emergentes. Essas habilidades são vitais não apenas para a segurança individual dos usuários jovens, mas também para prepará-los para as demandas do mercado de trabalho futuro, que será cada vez mais baseado em competências tecnológicas.
Ensino sobre direitos e responsabilidades online
O ensino sobre direitos e responsabilidades online é outro pilar central da Resolução. Este aspecto da educação digital visa cultivar uma geração de usuários que não só conheçam seus direitos enquanto participantes do espaço digital, mas também compreendam as responsabilidades que acompanham esses direitos. Isso inclui entender as leis de direitos autorais, as normas de conduta online, e as implicações legais e sociais de suas ações na internet.
Privacy by Design
Adicionalmente, a Resolução impõe aos provedores de serviços digitais a obrigação de adotar a abordagem de "Privacy by Design". Este princípio de design exige que a privacidade seja uma consideração central na concepção de produtos e serviços digitais, garantindo que as medidas de proteção de dados pessoais sejam integradas desde o início do desenvolvimento de qualquer novo serviço ou atualização significativa. Este requisito busca não apenas proteger melhor os dados pessoais dos usuários, mas também fortalecer a confiança no ecossistema digital, essencial para a sua adoção segura por crianças e adolescentes.
Desta forma, a Resolução Conanda nº 245, com sua ênfase renovada na educação digital e na implementação de práticas de segurança desde a concepção dos serviços digitais, representa um avanço significativo na legislação brasileira. Ela não só protege as crianças e adolescentes contra os riscos inerentes ao ambiente digital, mas também os prepara para utilizar essas tecnologias de maneira eficaz e ética, promovendo um futuro mais seguro e inclusivo na era digital.
Integração com legislação brasileira existente
A Resolução Conanda nº 245 alinhada com o cenário legal brasileiro para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, integra e expande as proteções estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e pelo Marco Civil da Internet.
O ECA já provê uma base sólida de direitos fundamentais, como saúde e educação, e proteções específicas contra abusos físicos e emocionais, enquanto a LGPD foca na segurança e privacidade dos dados pessoais, com especial atenção às informações de menores. Complementarmente, o Marco Civil assegura direitos como a liberdade de expressão e o acesso à informação online, e impõe deveres aos provedores de internet para proteger os usuários de riscos e violações.
A Resolução Conanda nº 245, a seu turno, especifica como esses direitos devem ser efetivamente aplicados no espaço digital, promovendo a inclusão digital como um direito fundamental para o desenvolvimento integral dos jovens.
Esta resolução é crucial em um país marcado por disparidades significativas de acesso à tecnologia, pois reconhece que a exclusão digital pode perpetuar ciclos de desvantagem social. Adicionalmente, a Lei nº 14.811/2024, que alterou o Código Penal para incluir especificamente os delitos de bullying e cyberbullying, corrobora com a Resolução ao criar mecanismos legais mais rígidos para combater essas formas de abuso, estabelecendo penalidades claras para dissuadir tais comportamentos prejudiciais e garantindo que os responsáveis por esses atos sejam punidos.
Essa legislação marca um esforço legislativo para adaptar as leis às realidades contemporâneas do ambiente digital, onde tais práticas têm se tornado cada vez mais comuns e danosas.
Combinando as estruturas do ECA, LGPD, Marco Civil, e agora reforçada pela Lei nº 14.811/2024, a Resolução Conanda nº 245 oferece uma abordagem integrada e robusta que não apenas protege as crianças e adolescentes contra riscos digitais, mas também promove um ambiente online mais seguro e inclusivo. Esta legislação integrada é essencial para garantir que as salvaguardas para menores se mantenham eficazes diante das rápidas evoluções tecnológicas e das novas modalidades de interação social na internet. A implementação desta legislação será um indicativo crucial do compromisso do Brasil com a proteção de seus jovens cidadãos na era digital, exigindo colaboração contínua e proativa de todos os setores da sociedade.
Cenário internacional
Assim como vem ocorrendo no Brasil, internacionalmente, iniciativas como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia e a Children's Online Privacy Protection Act (COPPA) dos EUA já estabeleciam padrões rigorosos para a proteção da privacidade das crianças online.
O GDPR, por exemplo, destaca a necessidade de consentimento parental para o processamento de dados de menores, enquanto a COPPA exige que os operadores de sites dirigidos a crianças obtenham consentimento verificável dos pais antes de coletar dados pessoais. A Resolução Conanda nº 245 está alinhada com esses preceitos internacionais, adaptando-os à realidade brasileira e promovendo um diálogo global sobre práticas eficazes de proteção infantil na internet.
Conclusão
Como vimos, a implementação da Resolução Conanda nº 245 marca um ponto de virada na proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital brasileiro. Este avanço legislativo não apenas situa o Brasil em consonância com as melhores práticas internacionais, como também aborda deficiências específicas encontradas nas legislações anteriores, adequando-as às complexidades do mundo digital moderno. Esta resolução estende os princípios de proteção já solidificados pelo ECA, LGPD, e Marco Civil da Internet, introduzindo medidas específicas que garantem a segurança e privacidade online de crianças e adolescentes.
Os benefícios da Resolução Conanda nº 245 são inegáveis: ela oferece um framework legal robusto que protege os menores de abusos digitais enquanto promove a inclusão e educação digital. No entanto, a eficácia da resolução na prática depende de uma implementação meticulosa e de uma colaboração intersetorial abrangente. Os desafios são significativos e multifacetados, incluindo a necessidade de tecnologia adequada que suporte as disposições de privacidade desde o design, a capacitação de educadores e pais para orientar as crianças na navegação segura pela internet, e a criação de mecanismos eficazes de monitoramento e fiscalização que assegurem o cumprimento das normas estabelecidas.
Para superar esses desafios, é fundamental uma cooperação estreita entre o governo, o setor de tecnologia, instituições educacionais, e a sociedade civil. Esta colaboração deve visar ao desenvolvimento de políticas públicas que não somente respondam às necessidades de proteção digital, mas que também promovam um ambiente online enriquecedor e acessível para todos os jovens. Além disso, é crucial que estas políticas sejam flexíveis e adaptáveis, capazes de evoluir com as rápidas mudanças tecnológicas e os emergentes desafios digitais.
Assim, enquanto a Resolução Conanda nº 245 é um passo adiante rumo a um futuro digital mais seguro para as crianças e adolescentes no Brasil, seu sucesso pleno dependerá de uma implementação dinâmica e de um compromisso contínuo com a revisão e melhoria das práticas de proteção digital. O objetivo é garantir que o ambiente digital não seja apenas seguro, mas também um espaço de crescimento, aprendizado e expressão para o público jovem, fundamentado em princípios de igualdade e respeito. Este esforço conjunto garantirá que a resolução alcance seu potencial transformador, criando um legado de inclusão digital e segurança online para as futuras gerações.
Sobre os autores:
Márcia Bernardes é conselheira titular do Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP), assessora pedagógica na Secretaria de Educação do Estado de SP e professora universitária da UniFaat Centro Universitário.
Walter Calza Neto é advogado especialista em Proteção de Dados e Cibersegurança. Perito Judicial do TJSP. Data Protection Officer. Membro da Comissão Especial de Estudo de Proteção de Dados do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Membro da Comissão de Inovação e Tecnologia da OAB/SP.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
Compartilhe nas redes sociais:
Categories
- Inovação