Saúde Financeira das Instituições de Ensino
A história do mercado do ensino privado no Brasil é marcada por momentos de euforia e de crise. Esse mercado traz uma sensível vantagem competitiva em relação a muitos outros, por ser entendido como de primeira necessidade e, por isso, estar no final da fila dos cortes orçamentários de seus clientes. Essa vantagem traz consigo, porém, uma contrapartida poderosa: por ser um serviço que tem um peso muito expressivo no bolso de seus clientes, em momentos de crise é muito difícil evitar movimentos relevantes de evasão de receita, notadamente no volume de pedidos de descontos e na inadimplência.
A imagem que o público em geral tem de uma escola particular é de um negócio de baixo risco e extremamente rentável. A realidade, contudo, não é bem assim. A rentabilidade média de uma escola particular varia de acordo com fatores externos, em especial ligados à macroeconomia, mas em geral oscila entre 9% e 11% da receita. É uma média – e isso é fundamental destacar – com grande desvio padrão. Existem escolas que alcançam mais de 20% de margem. E existem muitas escolas que ficam próximas ao zero, quando não até com resultado negativo por muitos períodos. A constatação de que se trata de um mercado com rentabilidade média apenas razoável e com alto desvio padrão afasta a hipótese de ser um negócio de baixo risco.
O nível desse risco, contudo, varia de período para período – e vai apresentar seus maiores patamares nos momentos de crise. Analisando o histórico do mercado, podemos destacar quatro crises que abalaram sensivelmente a rentabilidade média:
- Período entre o Plano Cruzado e o Plano real (1986-1994). Nesses anos não havia crise de demanda, mas o mercado trabalhou em clima de extrema conturbação por conta da ação do governo, que tentou constantemente impedir as escolas de fazer os reajustes necessários para enfrentar a inflação galopante. Foi um período muito difícil para as escolas. Muitas estiveram à beira do fechamento porque seus preços não podiam cobrir seus custos.
- Segunda metade dos anos 2000 e começo dos anos 2010. Houve um sério descompasso entre o crescimento da oferta e da demanda por vagas no setor. A demanda até seguiu crescendo, mas a oferta foi incrementada de forma espetacular, com abertura de escolas e cursos novos, gerando uma crise de ociosidade que atingiu fortemente muitas instituições.
- Período de 2014 a 2017. O Brasil passou por sua mais grave recessão da história e isso atingiu as escolas, que viram explodir pedidos de bolsas e os índices de inadimplência.
- Pandemia da Covid-19, período ainda não encerrado. As escolas passaram por uma “tempestade perfeita”: perda de alunos, aumento nos descontos e na inadimplência e forte contração no oferecimento de atividades extras.
O tamanho do estrago da crise atual só poderá ser efetivamente medido quando ela terminar – o que ainda não aconteceu e não se sabe quando vai acontecer. Já se pode afirmar, porém, que essa crise atingiu mais duramente as escolas que têm somente Educação Infantil. E não se trata de um estrago pequeno: na cidade de São Paulo, por exemplo, 80% dos alunos matriculados na Educação Infantil em escolas privadas estavam, antes da pandemia, em instituições que só tinham esse curso. Uma fração bastante pulverizada do mercado, mas também bastante representativa, em termos de volume.
Essas escolas apresentaram um nível nunca visto de encerramento de atividades desde o início da pandemia. E pior: muitas das sobreviventes até o momento não conseguirão ir muito longe. Para passar pelo pior da crise, essas escolas tiveram de assumir um nível alarmante de endividamento bancário e tributário. Ainda que venham a recuperar, em parte, sua rentabilidade, isso não será suficiente para fazer frente aos compromissos assumidos.
Na virada do primeiro para o segundo semestre de 2021, as escolas começaram a recuperar alunos que haviam perdido. Da mesma forma, as atividades extras, em especial o período integral, voltaram a ter relevância. Se a melhoria dos indicadores sanitários se mantiver e não houver novas intercorrências, as escolas podem imaginar um ano de 2022 próximo ao que era a normalidade pré-pandemia, em termos de saúde financeira.
Para isso, porém, existe uma lição de casa a ser feita, e ela está sendo demandado agora. As escolas precisam estar atentas a algumas questões específicas desse momento:
- O momento de divulgação de fim de ano deve ser antecipado, pois há uma quantidade imensa de famílias que vão procurar escolas para seus filhos de Educação Infantil ainda para 2021 – fenômeno incomum antes da pandemia.
- Os cuidados sanitários da escola devem passar a fazer parte do discurso de divulgação de seus diferenciais.
- As atividades extras devem ser privilegiadas, dentro das possibilidades dos protocolos sanitários. As famílias, em geral, estão ávidas por este produto e tendem a optar pelas escolas que tiverem os leques mais amplos e interessantes.
- Os descontos extras oferecidos aos pais por conta da pandemia devem ser revistos. Não há como evitar esse corpo-a-corpo e a iniciativa terá de ser da escola. Cada ponto percentual de descontos traz um impacto muito grande na rentabilidade de cada instituição.
- A formação do preço para 2022 deve observar detalhadamente a projeção de custos. As rentabilidades estão baixas demais para permitir reajustes abaixo do necessário. Por isso, todos devem ficar de olhos muito atentos às projeções de inflação.
O momento é de reconstrução. Os sobreviventes a esta que está sendo a pior crise da história do ensino privado tenderão a voltar mais saudáveis. Essa é uma última característica do setor do ensino privado: ele é extremamente resiliente. As crises passam e o ensino privado fica cada vez mais forte.
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Saiba mais sobre o autor:
Formado em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP e MBA-USP em Economia de Empresas, Barão foi diretor do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo) e dirigiu escolas particulares por nove anos. Faz parte do Conselho de várias instituições de ensino. Atua como consultor de empresas desde 1994.
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