Último dia da 30ª edição da Bett Brasil debate os desafios da escola na era digital
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No último dia da 30ª edição da Bett Brasil, os debates evidenciaram que os desafios da educação contemporânea vão além dos muros da escola e não podem ser enfrentados com soluções simplistas ou polarizadas. Especialistas, gestores e educadores se reuniram para compartilhar experiências e propor caminhos possíveis, unindo inovação, escuta ativa e políticas públicas mais sensíveis às realidades escolares.
Um dos temas que compõem esse universo desafiador é o uso de celulares nas escolas, assunto que pautou o debate do Fórum de Gestores, desta quinta (1º) na Bett Brasil. O jornalista, educador e escritor, Alexandre Sayad, e a juíza titular da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, Vanessa Cavalieri, falaram ao público sobre os prós e contras da era da hiperconectividade nas escolas.
Sayad defendeu a necessidade de uma governança para o digital nas escolas, com modelos inovadores que passem pelo poder público, pelas instituições educativas e pelas famílias. “É necessário regulação, educação midiática e educação parental. Vivemos um mundo hiperconectado e rápido demais em informações, é preciso governança para conseguirmos circular nesse universo com segurança”, afirmou.
Segundo o especialista, a tecnologia não é vilã e há potencial de aprendizagem com o uso do celular, desde que com supervisão e regras definidas. “Para um debate corajoso nesse tema, precisamos partir de alguns pressupostos. Por exemplo, temos estudos que mostram que o celular salvou a aprendizagem de muitos alunos em um país desigual como o nosso. É preciso pensar em uma rede multidimensional para fazer isso funcionar, integrando todos os currículos: escola, digital e cidade”.
Educador e jornalista Alexandre Sayad durante sua participação no Fórum de Gestores. Foto: Bett Brasil.
Vanessa Cavalieri alertou sobre os perigos atrelados às redes sociais. A juíza notou uma mudança acentuada no perfil dos casos que tutela na Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, e traça uma relação direta com o uso excessivo da tecnologia. “Há um crescente aumento da violência entre crianças e jovens, além das tensões e conflitos no ambiente escolar, e isso tem relação direta com o uso de celulares na escola. Estudos mostram que crianças têm sensação de solidão no ambiente escolar, não convivem umas com as outras, ficam sozinhas no intervalo olhando para uma tela”, disse.
Cavalieri compara o uso da tecnologia com a ascensão do cigarro no passado, um hábito social nocivo que marcou juventude por décadas. “Hoje vivemos a mesma situação em relação ao celular. Quando lançaram os smartphones não vimos perigo, achamos ótimo que crianças e jovens tivessem contato com aquilo, mas agora vemos que não é bem assim, que não temos controle nenhum sobre o que nossos filhos veem na internet”.
Juíza titular da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, Vanessa Cavalieri. Foto: Bett Brasil.
Um dos dados trazidos pela especialista mostra que índice de suicídio entre meninas de 12 a 14 anos aumentou 200% na última década. Grande parte dos casos está associada às imposições comportamentais e estéticas feitas pelas redes sociais.
Para Vanessa, as escolas precisam ser mais acolhedoras e menos punitivas, investindo ativamente nas conexões humanas. “A violência é um sintoma. Enquanto não olharmos para as necessidades que não estão sendo atendidas, não vamos resolver esse problema”, afirmou.
A juíza comentou a necessidade de aprovação de leis sobre o tema, como o Projeto de Lei 4474/2024, em tramitação na Câmara Federal, que responsabiliza as big techs pelo conteúdo que entregam para crianças e adolescentes. Hoje, o Brasil é o segundo maior usuário de redes sociais no mundo.
Novo ensino médio: preparando jovens para a vida
Na Bett Brasil, o debate sobre os rumos do Novo Ensino Médio ganhou destaque em uma roda de conversa que reuniu especialistas e gestores pedagógicos. A centralidade da disciplina projeto de vida e a necessidade de tornar o ensino mais conectado à realidade dos jovens foram pontos-chave discutidos à luz das novas diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Segundo a resolução do CNE, os itinerários formativos passam a ter novas exigências de carga horária — 600 horas mínimas para os de aprofundamento e entre 600 e 1.200 horas para os técnicos e profissionalizantes, que deverão ter certificação reconhecida. Eles serão organizados em torno de quatro eixos estruturantes: Método, Conhecimento e Ciência; Mediação e Intervenção Sociocultural; Inovação e Intervenção Tecnológica; e Mundo do Trabalho e Transformação Social. O objetivo é oferecer uma formação mais integrada, prática e voltada ao desenvolvimento de competências essenciais para o século XXI.
A especialista em educação básica do SESI, Luciana Guimarães, enfatizou a importância do modelo como ferramenta pedagógica: “O novo ensino médio traz um foco maior no projeto de vida, e isso é um ganho para o jovem, é um caminho”, relatou.
Especialistas discutiram os rumos do Novo Ensino Médio. Foto: Bett Brasil.
Ela também alertou para a necessidade de maior envolvimento das famílias na escola. “Os pais acompanham os filhos de perto no ensino fundamental, mas se afastam no médio. Precisamos criar estratégias para aprimorar essa comunicação e garantir sua participação.” A especialista defendeu um modelo onde os pais vivenciem uma aula experimental para conhecer de perto as disciplinas e métodos aplicados no novo ensino médio.
Já Talita Marcília, coordenadora pedagógica de uma rede de ensino que aderiu ao novo modelo antes mesmo do decreto do Governo Federal, compartilhou sua experiência com a transição. “Desde 2017 estruturamos matérias que se tornaram itinerários. O projeto de vida já existia nas vivências escolares e se fortaleceu no novo modelo.”
Ela lamentou a redução na variedade de itinerários propostos na reformulação atual e reforçou o papel dos temas socioemocionais. “Trabalhamos assuntos essenciais como autoconhecimento, relações interpessoais, mediação de conflitos. Isso contribui para formar um jovem mais preparado para lidar com desafios da vida adulta”, afirmou.
O editor e diretor do portal Porvir, Vinicius Oliveira, mediador do painel, provocou os participantes sobre os aprendizados do processo. As respostas convergiram na importância da escuta ativa dos estudantes e da valorização das habilidades para a vida e o trabalho, além da capacitação e currículo técnico dos professores.
O novo ensino médio, portanto, vai além de uma simples mudança curricular. Ele propõe uma escola que forma indivíduos autônomos, críticos e preparados para fazer escolhas — dentro e fora dela.
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