Bett UK

22-24 Jan 2025

Bett Brasil

28/Abr a 01/Mai 2025

Bett Asia

2-3 Out 2024

Bett Blog

08 ago 2024

Antirracismo se aprende desde cedo

Redação Bett Blog
Antirracismo se aprende desde cedo
Iniciativa que usa a música para o letramento racial e respeito à diversidade é exemplo prático de como a educação antirracista pode ser trabalhada em novos formatos desde a primeira infância

♪ O meu cabelo é bem bonito, é black power e é bem pretinho. O do João também é bonito, é amarelo e bem lisinho ♫. A letra de linguagem simples, mas com doses de autoestima e repleta de empoderamento sobre os diferentes tipos de beleza, foi a fórmula musical que o professor Allan Pevirguladez, da rede municipal do Rio de Janeiro, encontrou para potencializar a educação antirracista com a sua turma da educação infantil.

Com a introdução de melodias e letras lúdicas na sala de aula, Pevirguladez criou a Música Popular Brasileira Infantil Antirracista (MPBIA), que ele descreve como “um movimento artístico musical que busca empoderar e levar letramento racial para as nossas crianças em forma de música e arte”.

A prática pedagógica do professor Pevirguladez foi criada em 2022 e ficou conhecida em todo o Brasil após um vídeo dele cantando com seus alunos viralizar nas redes sociais.

“A primeira situação de racismo que passei como educador na educação infantil foi no meu primeiro dia de contato com alunos. Uma menina falou que o coleguinha estava fazendo uma macumba, quando ele só estava fazendo um movimento que tem mais a ver com meditação. Fiquei espantado ao perceber que uma menina de cinco anos estava reproduzindo uma fala de preconceito religioso sem ter noção do que isso se trata”, revela Pevirguladez.

Em relação à criação e inspiração para as canções, Pevirguladez destacou que o MPBIA é um projeto pioneiro. “É um movimento inédito não só no Brasil, mas acredito que na história mundial. Não encontrei nenhuma outra referência ou parâmetro nas minhas pesquisas sobre antirracismo e letramento racial na infância. A MPBIA nasceu a partir do nada, sem referencial anterior de um trabalho ou a influência de outro artista”, diz ele.

Pevirguladez salientou que a resposta dos alunos é o termômetro para indicar se as músicas estão atingindo o seu objetivo ou se é preciso criar outra ideia. “Quando faço a introdução da música observo o feedback deles, porque é fundamental que a criança esteja ambientada e confortável. Não pode ser algo feito à força, do qual a criança não queira participar”, afirma. Ele pontua que, ao apresentar uma nova canção, faz um trabalho em conjunto para explicar qual o sentido da letra com a intenção de reforçar a mensagem.

“A MPBIA funciona como um antídoto para os atravessamentos racistas, porque oferece à criança de 3, 4, 5 anos uma noção de empoderamento que mudará radicalmente a sua forma de entender o mundo. Quando a criança entende que o seu cabelo é belo, que os seus traços físicos são valiosos e que ela é descendente de reis e rainhas e não de pessoas escravizadas, muda todo um cenário que muitas vezes vai ser construído”, ressalta Pevirguladez.


Ele acrescenta: “Quando o racismo aparecer na vida dessa criança - o que inevitavelmente vai acontecer, porque vivemos em uma sociedade racista - não vai atingi-la tanto, porque já foram trabalhadas, no seu interior e imaginário, a autoestima e os valores como um indivíduo dentro da sociedade”.

A especialista em letramento racial, relações étnico-raciais e antirracismo, Janine Rodrigues, ressalta a importância da educação antirracista ser iniciada na primeira infância. “Tenho participado como educadora e psicanalista de congressos, seminários e pesquisas sobre a primeira infância e percebo que este é um tema pouco observado em trabalhos com crianças pequenas. Construir linguagem já com a possibilidade de um existir antirracista é fundamental. Poder ter visão ampliada de mundo, saber que não há uma história única – como muito bem nos ensina a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie – mas sim, pessoas, histórias, mundos, sociedades e saberes plurais”, enfatiza.

Janine é fundadora e CEO da Piraporiando - Educação para a diversidade, que cria experiências e conteúdos antirracistas, antibullying, antipreconceito e de promoção da equidade de gênero, considerada uma das 10 EdTechs mais importantes da América Latina. Sobre a MPBIA, Janine comenta que a arte é política, ou seja, inspira o pensamento crítico, a visão de mundo e nos tira do lugar comum.

“O antirracismo na arte é fundamental para que, além de contar as histórias de dor (verdadeiras e legítimas) possamos construir imaginários que crescem a partir de uma narrativa para além da escravização”, opina a fundadora e CEO da Piraporiando.

Educação antirracista é lei há mais de 20 anos

A educação antirracista é uma temática pautada há mais de 20 anos pela Lei 10.639/03, de 2003, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira na educação básica. Porém, o cenário no Brasil está muito aquém desse mundo ideal no qual a educação de qualidade em equidade, ou seja, que iguala as chances de todos, é uma realidade de fato.

Levantamento realizado pela ONG Todos Pela Educação, divulgado em julho de 2023, apontou que apenas metade (50,1%) das escolas públicas do país tiveram ações contra o racismo em 2021, ano em que foi feita a última pesquisa do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb).

Segundo a ONG, a quantidade de escolas com projetos atentos à diversidade começou a cair a partir de 2015, quando o índice havia chegado ao maior patamar no período: 75,6%. Desde então, os números despencaram.

Nesta direção, o professor Pevirguladez ressaltou a urgência da necessidade de fortalecimento de práticas antirracistas e na efetivação da Lei 10.639/03 nas escolas. “Os gestores e líderes educacionais precisam ter ciência de que a aplicação da lei é fundamental, não só para a erradicação do racismo, mas para uma convivência mais saudável e um desenvolvimento harmônico dos nossos educandos e da sociedade futura, porque essa é a base que vai construir esse país lá na frente”, diz o professor.

Leia também:

Sob a ótica dos educadores, o cenário também não é muito favorável. Uma pesquisa da ONG Nova Escola, publicada pelo Valor Econômico em novembro de 2023, revelou que embora 87% dos educadores acreditem que o conceito seja “extremamente relevante”, 62% não se sentem bem-preparados para aplicar ensinamentos antirracistas em salas de aula e somente 14% declaram ter conhecimento de trabalhos bem estabelecidos na área.

“Talvez algo que precise entrar em pesquisas assim é compreender quantos educadores sabem, essencialmente, o que é o conceito, como ele se aplica e quais são suas bases. Trabalhando com escolas de todo país, públicas e privadas, vemos que muitas vezes o que se sabe conceitualmente sobre a educação antirracista está bem longe do que ela realmente é. E daí começa, muitas vezes, a ilusão de que 'todos acham importante’'', opina Janine. 

Como oferecer uma formação para incluir no repertório dos professores metodologias de educação antirracista? A fundadora e CEO da Piraporiando acredita que a formação precisa passar pelo letramento, conhecimento histórico e aprofundamento do que foi e é a branquitude.

Com a sua experiência, Janine compartilhou que, muitas vezes, quando a sua equipe inicia um processo de formação antirracista é observado que os educadores ficam por vezes ‘sem jeito’, pois já têm conteúdos e certificados que dizem que eles são antirracistas, e estão na linha de frente para criar projetos apresentados como ‘a salvação’.

“Educação antirracista dá trabalho, leva tempo e gera incômodos. É sobre abrir mão de muitos privilégios. Os professores querem e muito, mas precisam de tempo e de qualidade. Muitos têm que se virar entre fazer infinitas tarefas e ainda ‘achar um jeito’ de criar um projeto antirracista. Ganham conteúdos enormes, mas ninguém pensa em que momento eles serão lidos. Metodologia de sucesso deve prever tempo de qualidade, intencionalidade, métricas, paciência e afeto”, finaliza Janine.

Compartilhe nas redes sociais:

Categories

  • Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I)
Voltar ao Bett Blog
Loading