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A crise silenciosa da educação brasileira: desafios, dados alarmantes e a urgência de novas abordagens

por Doug Alvoroçado
A crise silenciosa da educação brasileira: desafios, dados alarmantes e a urgência de novas abordagens
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Este artigo busca pontuar alguns problemas da educação brasileira observados por mim, apresentar os dados que evidenciam essa situação, discutir a subestimação da avaliação e como uma interpretação equivocada do construtivismo pode ter contribuído para esse cenário

Não quero e nem preciso entrar em polêmicas. O objetivo deste texto é propor uma reflexão sobre a situação da educação brasileira, baseada em minhas vivências ao longo de 17 anos de sala de aula.

Minhas observações não têm a pretensão de invalidar os teóricos e estudiosos que possam apresentar argumentos contrários às minhas opiniões; pelo contrário, meu interesse é dialogar com eles, pois acredito que o debate qualificado é essencial para a construção de um ensino mais eficaz e significativo.

A educação no Brasil enfrenta uma crise multifacetada (não é de hoje) que se manifesta em dados preocupantes e em práticas pedagógicas que podem (e devem) ser questionadas. Embora existam melhoras pontuais e locais de excelência, a realidade da sala de aula de maneira geral está longe de apresentar um cenário promissor, e os resultados em avaliações internacionais apontam para um declínio na qualidade, apesar do esforço orçamentário realizado.

Este texto busca pontuar alguns problemas da educação brasileira observados por mim, apresentar os dados que evidenciam essa situação, discutir a subestimação da avaliação e como uma interpretação equivocada do construtivismo pode ter contribuído para esse cenário.

Panorama da sala de aula: indisciplina, pouco tempo de aula e desempenho aquém do esperado

Um dos maiores desafios enfrentados pelos professores brasileiros é a indisciplina generalizada nas salas de aula. Segundo relatos de professores que convivo e conheço, o tempo de aula efetivamente dedicado ao ensino é mínimo, pois grande parte é consumida pela administração da turma e de problemas comportamentais. Essa realidade coloca o Brasil como o país que menos tempo dedica ao ensino no mundo. 

Os dados de avaliações internacionais corroboram essa percepção negativa. Em matemática e ciências, na avaliação TIMSS, o Brasil ocupa a 55ª posição entre 58 países no 4º ano, e um ainda mais alarmante penúltimo lugar no 8º ano. Em leitura, na avaliação PIRLS, o Brasil está na 52ª posição entre 57.

O PISA também revela um desempenho insatisfatório: de 81 países, o Brasil ocupa a 60ª posição em matemática, 53ª em português e 61ª em ciências. Nos anos finais do ensino fundamental em ciências, o Brasil figura como o último colocado, empatado com Argentina e Peru.

É crucial notar que esses índices refletem o desempenho tanto da educação pública quanto da privada, tornando o cenário ainda mais preocupante, visto que se espera um desempenho superior na rede privada.

Apesar de um esforço orçamentário crescente em educação ao longo da última década e da implementação da lei do piso salarial dos professores, esse investimento não se traduziu em aumento da qualidade e melhoria nos índices educacionais.

A subestimação da avaliação: um obstáculo à melhoria contínua

A avaliação é um componente fundamental para diagnosticar as deficiências e orientar as intervenções pedagógicas. No entanto, no Brasil, a avaliação, especialmente as de larga escala, é frequentemente subestimada e alvo de críticas, muitas vezes sob a alegação de desconsiderar as particularidades locais e serem imposições de organismos internacionais.

Essa postura contrasta com a necessidade de dados concretos sobre o aprendizado dos alunos para embasar políticas públicas eficazes. A recusa em reconhecer a importância da avaliação impede a identificação de métodos de ensino mais eficientes e dificulta o acompanhamento do progresso dos estudantes.

A própria “aprovação automática” (estratégia onde os alunos eram/são promovidos para a série seguinte sem a necessidade de aprovação em todas as disciplinas, com o objetivo de combater a reprovação em massa e garantir o acesso à educação) implementada em um dado momento, foi uma resposta equivocada à pressão por melhores índices de retenção, sem abordar a raiz dos problemas de aprendizagem.

A deturpação do construtivismo: da teoria à prática ineficaz

O construtivismo, uma perspectiva teórica sobre como os indivíduos aprendem, tornou-se amplamente dominante na educação brasileira, influenciando documentos curriculares como os PCNs e a BNCC. Em sua essência, o construtivismo valoriza a experiência do aluno, seu papel ativo no processo de aprendizagem e a compreensão de como aprender.

No entanto, a forma como o construtivismo tem sido interpretado e aplicado em algumas realidades e escolas brasileiras pode ter gerado problemas significativos. Uma das consequências dessa interpretação equivocada é a visão negativa da instrução sistemática, como se o ensino explícito e passo-a-passo fosse um obstáculo ao desenvolvimento do aluno.

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Essa perspectiva se opõe a algumas evidências científicas que apontam a instrução sistemática como um método bem eficaz para a aprendizagem. Estudos comparativos demonstram consistentemente a inferioridade da abordagem errônea do construtivismo, quando aplicado como método de ensino, em relação a abordagens mais diretas e estruturadas.

A ênfase excessiva em uma experiência empírica e não-embasada, em detrimento do ensino direto também se manifesta na negligência de habilidades fundamentais.

Um exemplo emblemático é a resistência ao ensino explícito da tabuada, sob o argumento de que o aprendizado deve ocorrer sempre em um contexto significativo. Essa abordagem contribuiu para deficiências significativas em matemática em diversas gerações. Não vou defender o famoso “decoreba”, mas quantas vezes ela já me foi útil e me salvou!!

Outro problema decorrente da influência do construtivismo sendo aplicado como método único e inquestionável e de uma visão contrária à experimentação é a ausência de debate e pesquisa baseada em evidências na educação brasileira.

A recusa em testar diferentes metodologias e em analisar os resultados de forma sistemática impede a identificação e a implementação de práticas mais eficazes. Essa mentalidade pós-modernista, que questiona a própria noção de verdade e realidade, dificulta o estabelecimento de consensos sobre o que funciona melhor em educação.

A urgência de uma mudança de paradigma: rumo a uma educação baseada em evidências

Diante desse cenário alarmante, torna-se urgente uma mudança de paradigma na educação brasileira. É imprescindível adotar uma abordagem baseada em evidências científicas. Essa perspectiva, já consolidada em áreas como a medicina, propõe que as decisões pedagógicas e as políticas educacionais sejam informadas pelos resultados de pesquisas rigorosas e replicáveis.

Uma educação baseada em evidências envolve:

  • Considerar a melhor evidência científica disponível sobre as diferentes práticas e metodologias.
  • Levar em conta a expertise dos profissionais da educação.
  • Respeitar os valores de quem está sendo atendido, no caso, os alunos e suas famílias.

A implementação de um sistema de apoio aos estudantes em múltiplas camadas, como o utilizado em alguns países desenvolvidos, é um exemplo de prática baseada em evidências. Esse sistema prevê intervenções universais para todos os alunos, apoio em pequenos grupos para aqueles com dificuldades e intervenções individualizadas para casos mais complexos, tanto no âmbito acadêmico quanto comportamental, como o Positive Behavioral Interventions and Supports (PBIS) e o modelo de Resposta à Intervenção (RTI).

No entanto, a transição para uma educação baseada em evidências enfrenta obstáculos significativos no Brasil, incluindo a certa resistência de parte da academia, influenciada por suas cosmovisões e pela falta de diálogo com a realidade da sala de aula. A ausência de disciplinas sobre manejo de comportamento e práticas pedagógicas eficazes nas licenciaturas perpetua a falta de conhecimento e a reprodução de práticas ineficazes.

A sociedade como motor da mudança

A superação dos desafios educacionais brasileiros exige um esforço conjunto da sociedade, dos educadores e dos formuladores de políticas públicas. É fundamental que se questione o status quo, que se exija a apresentação de dados e evidências para embasar as práticas pedagógicas e as políticas educacionais.

A participação ativa dos pais na vida escolar, como nos conselhos de escola, é crucial para cobrar práticas mais eficazes e transparentes. A pressão da sociedade por uma educação de qualidade, baseada em evidências, pode influenciar as decisões políticas e impulsionar a mudança.

Embora o caminho seja longo e desafiador, a crescente conscientização sobre os problemas da educação e o interesse por abordagens mais eficazes oferecem uma perspectiva otimista para o futuro. A mudança pode começar nos municípios e estados, com a implementação de políticas públicas informadas por evidências, e com a valorização de profissionais da educação que buscam aprimorar suas práticas com base em dados concretos.

A educação brasileira clama por uma abordagem mais pragmática e científica, capaz de reverter o cenário desolador e garantir um futuro mais promissor para as novas gerações.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.

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