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As deepfakes já estão na nossa realidade — e podem ser muito legais (se soubermos usar)

por Francisco Tupy
As deepfakes já estão na nossa realidade — e podem ser muito legais (se soubermos usar)
Foto: Freepik
Antes de criticar as deepfakes e reproduzir o senso comum, precisamos entendê-las criticamente como linguagem, estética e tecnologia

As deepfakes não são apenas um risco: são um novo capítulo da cultura digital. Tal como a fotografia, o cinema, a TV e o videogame, essa tecnologia está reconfigurando como pensamos, sentimos e aprendemos. Só assim é possível educar estudantes para um mundo onde aplicativos acessíveis, conteúdos crescendo exponencialmente e filósofos “sintéticos” moldam imaginários, decisões e aprendizagens.

O papel da escola não é reproduzir o temor: é entender, contextualizar e liderar

Professores que compreendem a estética, a técnica e a ética das deepfakes formam alunos capazes de navegar um mundo onde as imagens falam, nos imitam e, às vezes, nos ensinam.

As deepfakes não são mais ficção científica e nem produto de criminosos que se beneficiam da desinformação forjada. Deepfakes ocupam timelines, viram meme e, inesperadamente, produzem conteúdo cultural sofisticado.

Como observou preciso e ironicamente o professor Luli Radfahrer, “o Sora é o TikTok das deepfakes”: uma ferramenta que democratiza criação audiovisual com a mesma velocidade e explosão estética que o TikTok provocou no vídeo curto.

Ao mesmo tempo, surgem nas redes canais que recriam, com precisão impressionante, a voz e o rosto de pensadores para debater temas atuais — de Platão analisando o metaverso a Nietzsche discutindo ansiedade digital.

Esses dois movimentos expõem um ponto chave para a educação: antes de tratarmos as deepfakes como ameaça, precisamos entendê-las como ontologia midiática. Ou seja, como um novo jeito de existir e pensar com imagens, evitando:

  • 1) Ensinar ética sem ensinar linguagem não funciona;
  • 2) Ensinar técnica sem ensinar estética é superficial;
  • 3) E ensinar medo, sem ensinar uso, produz analfabetos digitais. 

O que está em jogo não é só evitar enganos; é aprender com uma mídia que pode ser crítica, criativa, provocadora e profundamente pedagógica.

O estético versus o ético: por que deepfakes são uma nova linguagem

As deepfakes não são apenas “vídeos falsos”; elas são gramáticas visuais. O senso comum (e a escola necessita descolar disso), ao iniciar discussões pela via moralista — “é perigoso”, “pode manipular eleições” — sem passar pelo fundamental: entender como a imagem é construída.

Assim como a fotografia exigiu alfabetização visual no século XIX, e o Photoshop exigiu nos anos 2000, as deepfakes pedem uma nova alfabetização estética. Estudantes precisam entender composição, verossimilhança, textura, ritmo, expressividade e “costuras” digitais para poder analisar criticamente.

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Por outro lado, ignorar a estética empobrece o debate. Muitos dos melhores exemplos atuais não são usados para enganar, mas para criar narrativas impossíveis: Einstein explicando buracos negros, Simone de Beauvoir discutindo feminismo contemporâneo, Paulo Freire reagindo à IA na educação.

Esses vídeos, mesmo sendo criações sintéticas, ajudam o aluno a pensar filosofia, história e mídia como linguagens vivas — o que abre espaço para
debates críticos profundos. Além disso, fomentam o alerta daquilo que virá no futuro a curto prazo e como lidar com isso.

Quando o algoritmo vira sala de aula

A fala de Luli Radfahrer sobre o Sora resume bem a virada cultural: estamos entrando em um momento em que qualquer pessoa pode produzir filmes de alta qualidade com prompts. Para a escola, isso significa duas coisas:

Primeiro, o acesso à produção audiovisual deixou de ser técnico; agora é cognitivo. Não se trata mais de dominar a câmera, o microfone e o software, mas de dominar ideias, referências e argumentos.

Segundo, significa que a velocidade de difusão vai explodir — exatamente como aconteceu com TikTok ou o próprio GPT (talvez aqui temos uma convergência entre as duas linguagens).

Deepfake na escola

Como abordar as deepfakes em sala de aula. Foto: Freepik

Mas há um risco pedagógico: se tratarmos qualquer app como ameaça, perderemos a chance de treiná-lo como ferramenta cognitiva. Professores podem criar cenários históricos reimaginados (“Como seria a chegada dos portugueses filmada por um drone?”), simulações científicas, dramatizações literárias, análises de mídia.

O ponto não é substituir o conteúdo, e sim tornar visível o processo de criação para discutir autoria, intencionalidade e responsabilidade.

Filosofia deepfake: quando pensadores “falam” de temas modernos

Nos últimos meses, a explosão de canais que recriam filósofos e pensadores para analisar temas atuais abriu uma nova frente para o ensino de humanidades. Vídeos como “um filósofo grego reagindo à cultura do cancelamento” ou “um pensador iluminista comentando desigualdade algorítmica” não são apenas entretenimento: eles reativam teorias clássicas pela via narrativa.

Para muitos estudantes, ouvir Epicuro “explicar” autocuidado no século XXI é mais acessível do que ler um tratado. No entanto, há dilemas importantes: até que ponto essas representações são fiéis? Estão usando as ideias originais ou inventando discursos que nunca existiram?

Isso gera debates ricos para sala de aula: pedir que os alunos comparem o vídeo sintético com o texto real, identifiquem distorções, produzam versões alternativas e avaliem intencionalidades. Aqui, a deepfake deixa de ser truque e vira ferramenta de comparação epistemológica.

Educação sem maniqueísmo: como ensinar ética em um mundo de ambiguidades

A ontologia pedagógica das deepfakes exige sair do simples. Educar não pode se limitar a “deepfakes são perigosas” ou “deepfakes são mágicas”. A questão é formar estudantes capazes de analisar contexto, propósito, autoria, impacto e mediação. O mesmo recurso pode ser poético, criativo, irônico — ou manipulador. E esses usos coexistem.

A educação precisa refletir essa complexidade. Um bom caminho é trabalhar com casos reais: deepfakes usadas para humor, deepfakes como denúncia, deepfakes como arte e deepfakes como fraude. Cada exemplo pode ser analisado sob a tríplice lente: estética, técnica e ética. 

Assim, a escola deixa de ser vigilante moral e passa a ser curadora crítica. Além disso, ao compreender o processo de produção e criação, todo o ecossistema escolar passa a ficar atento a duas frentes:

  • Rumo tecnológico: acompanhar as próximas movimentações do futuro — para onde a tecnologia está, de fato, avançando.
     
  • Integridade da informação: reconhecer fake news; compreender transparência, fontes de treinamento e vieses; exigir que prompts, datasets e procedimentos sejam explicitados. Se você não conhece aquele filósofo “genial”, como saber se ele realmente disse aquilo? No mínimo, é necessária uma curadoria verificável.

Aplicações pedagógicas concretas: do laboratório de mídia à formação cidadã

Professores podem transformar deepfakes em exercícios criativos de alto valor cognitivo. Por exemplo: pedir que os alunos criem um vídeo curto onde um personagem histórico explica um conceito, mas com rigor teórico. Ou produzir versões sintéticas de si mesmos para discutir identidade digital. A chave é sempre contextualizar, explicar o processo e analisar o resultado — nunca apresentar a deepfake como “verdade”.

Além disso, deepfakes são excelentes para ensinar autoria, plágio, fonte primária, narrativa e remixagem, temas essenciais em mídia literacy. Projetos interdisciplinares podem envolver português, história, artes, tecnologia, filosofia e ciências humanas. 

O mundo do trabalho ainda está testando e ajustando o uso de deepfakes — em treinamento, dublagem multilíngue e acessibilidade — num processo claro de experimentação. A escola, ao formar pessoas e competências, precisa preparar os estudantes para esse cenário em construção. Quem entende a tecnologia antes dela estabilizar é quem define os próximos passos (de forma ética e segura frente aos desafios).

Sobre o autor:


*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.

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