Urgência da mídia literacy no contexto escolar: lições do Nepal
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A promessa de liberdade digital pode esconder riscos invisíveis quando falta preparo crítico. O Nepal mostrou como o bloqueio de redes, a desigualdade social e o uso simbólico de ícones midiáticos podem incendiar um país inteiro.
Educar para a mídia e com a mídia, antes de tudo, é preparar jovens para compreender, analisar e agir diante das complexidades da informação. A revolta da Geração Z no Nepal é um exemplo vivo de porque a mídia literacy deve ser tratada como prioridade educacional.
Panorama "Nepal + Mídia Literacy"
Você conhece o Nepal? Trata-se de um pequeno país no coração do Himalaia, cuja capital é Katmandu. Sua bandeira é única no mundo: dois triângulos sobrepostos em vermelho e azul, representando sol e lua. Atualizar-se sobre o que acontece lá vai além da geografia.
Os recentes protestos, que incendiaram o parlamento, derrubaram o primeiro-ministro e levantaram a bandeira de anime One Piece diante das chamas, são um campo vivo de observação. O Nepal hoje é um laboratório de mídia literacy em movimento, um processo de aprendizado em tempo real sobre como símbolos, redes sociais e juventude digital moldam a política.
Hoje não basta dominar tecnologia; é preciso compreendê-la criticamente. Fake news, deepfakes, memes virais e plataformas bloqueadas moldam o cotidiano de milhões de pessoas.
No Nepal, o governo proibiu 26 redes sociais para conter desinformação. A medida, porém, foi entendida como censura e detonou uma revolta histórica. Esse contraste mostra por que a mídia literacy precisa estar no coração da educação: a mídia é política, e compreendê-la é condição de cidadania.
Contexto da crise e seus elementos midiáticos
Durante três dias, Katmandu foi palco de imagens que correram o mundo: prédios oficiais em chamas, jovens enfrentando o exército e memes guiando narrativas políticas. Em poucos dias, mais de 50 mortos, 1.600 feridos e a renúncia de Khadga Prasad Oli, o então primeiro-ministro.
O Nepal se tornou um exemplo concreto de como a juventude, armada de símbolos digitais e plataformas online, pode reconfigurar a política — e de como a falta de preparo para interpretar esse processo deixa sociedades vulneráveis.
Devemos focar nossa observação em 3 pilares:
- Bloqueio de redes sociais;
- Elementos midiáticos e hashtags;
- Discord indicando um governante.
O estopim foi o bloqueio das redes. Além de limitar a comunicação política, cortou o contato de famílias com trabalhadores migrantes — responsáveis por 26% da economia local. A lição é direta: quando o governo controla plataformas, controla relações sociais inteiras. A escola deve preparar estudantes para refletir criticamente sobre o poder (e os riscos) da regulação digital.
A revolta também foi marcada por signos midiáticos. Em frente ao parlamento em chamas, uma bandeira dos Piratas do Chapéu de Palha, de One Piece, se tornou símbolo de resistência. Ao mesmo tempo, as hashtags “nepo kids” e “nepo babies” viralizaram, denunciando o contraste entre os luxos da elite política e a pobreza generalizada.
Esse detalhe não é menor: mostra que os jovens se comunicam por meio de signos culturais e midiáticos. Para a escola, a mensagem é clara: analisar memes, referências pop e linguagens visuais é parte da mídia literacy.
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Sem acesso às redes bloqueadas, os jovens migraram para outras plataformas. O Discord, antes espaço de gamers, tornou-se arena política. Mais de 160 mil usuários participaram de uma votação informal que indicou Sushila Karki, ex-presidente da Suprema Corte, como primeira-ministra interina.
O episódio mostrou que ferramentas digitais podem ser reinventadas como espaços de exercício democrático — e que a escola precisa ensinar os alunos a compreender tanto o potencial quanto os riscos dessa reinvenção.
Lições para a escola
O Nepal mostrou que não há cidadania sem mídia literacy. Em sala de aula, é preciso:
- Discutir censura, liberdade de expressão e política digital;
- Decifrar memes, símbolos culturais e linguagem visual;
- Entender o funcionamento e a ressignificação de plataformas.
Transformar fatos globais em objeto de estudo é dar aos alunos ferramentas para interpretar o presente e agir de forma consciente.
O papel do professor
O professor, nesse processo, não traz respostas prontas: ele provoca perguntas e media reflexões. O caso do Nepal pode inspirar análises interdisciplinares, unindo história recente, política, cultura pop e tecnologia. Mais do que ensinar a usar redes, é preparar os estudantes para lê-las, interpretá-las e reagir criticamente.
O Nepal mostrou ao mundo a força da Geração Z. Em poucos dias, jovens conectados derrubaram um governo, ressignificaram símbolos culturais e até realizaram uma eleição improvisada no Discord.
O recado para a educação é claro: a mídia literacy não pode ser negligenciada. É ela que prepara os cidadãos para interpretar, questionar e transformar o mundo em que vivem. Sem essa competência, sobra desinformação e caos; com ela, abre-se espaço para democracia e consciência crítica.
Sobre o autor:
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Francisco Tupy
Doutor pela Universidade de São Paulo com ênfase em videogame
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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