Especialistas avaliam como positiva a reforma do Novo Ensino Médio, porém indefinição sobre o ENEM é uma preocupação
A rotina escolar dos estudantes brasileiros terá mudanças a partir de 2025, com a Lei que reforma o Novo Ensino Médio, sancionada no dia 31 de julho. Entre as principais alterações estão a definição de itinerários formativos e o aumento na carga horária da Formação Geral Básica (que são as disciplinas tradicionais, como português, matemática, física, química, inglês, história e geografia).
A carga horária total dos três anos de Ensino Médio regular permanecerá de 3 mil horas, com a seguinte divisão: ampliação da carga horária da Formação Geral Básica para 2.400 horas, definida pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e mais 600 horas que deverão ser preenchidas com disciplinas dos itinerários formativos. Os alunos poderão optar entre quatro itinerários: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ou ciências humanas e sociais aplicadas.
Para os alunos que escolherem a formação técnica e profissional, a carga horária mínima para Formação Geral Básica será de 2.100 horas, admitindo-se 300 horas destinadas ao aprofundamento de conteúdos da BNCC relacionados à formação técnica e profissional, totalizando 3 mil horas, ao somar às 900 horas mínimas de curso técnico/profissionalizante.
A ex-secretária de Educação Básica do MEC e atual diretora-executiva do Instituto Reúna, Katia Smole, vê positivamente o consenso alcançado em torno do Novo Ensino Médio. Para ela, os ajustes realizados consideraram as consultas conduzidas pelo Ministério da Educação (MEC) junto a estudantes e professores, o que resultou na ampliação da carga horária da Formação Geral Básica de 1.800 horas para 2.400 horas.
"De modo geral, pontos importantes da reforma foram mantidos, como a flexibilização curricular por meio dos aprofundamentos nas áreas do conhecimento, a Formação Geral Básica prevista pela BNCC e a possibilidade de um itinerário técnico de educação profissional", destaca Katia.
Katia Smole analisa os impactos da reforma do Novo Ensino Médio. Foto: Divulgação.
Na visão da ex-secretária-executiva do MEC e atual titular da cátedra Instituto Ayrton Senna no Instituto de Estudos Avançados da USP, no polo Ribeirão Preto, Maria Helena Guimarães de Castro, a reforma do Ensino Médio “foi a possível, não a melhor, mas o que foi possível negociar com o MEC”. A educadora avalia que o projeto de lei final aprovado na Câmara de Deputados foi significativamente melhor do que a proposta original do Senado Federal.
O texto da reforma do Ensino Médio sofreu mudanças no Senado, após primeira passagem pela Câmara. De volta à casa dos deputados, o texto passou por novas alterações antes de ir para a sanção presidencial, com a rejeição de 21 mudanças que tinham sido incluídas pelo Senado no projeto de lei. O relator na Câmara foi o deputado Mendonça Filho (União-PE), que era ministro da Educação quando o Novo Ensino Médio foi proposto, em 2017, no governo de Michel Temer.
"Com as mudanças no projeto de lei do deputado Mendonça Filho foi possível garantir, por exemplo, o inglês como língua estrangeira obrigatória, além de assegurar as 2.400 horas de Formação Geral Básica para todos os alunos e 2.100 horas para aqueles que optarem pelo Ensino Técnico e Profissional, com uma flexibilização para que esses alunos pudessem ter 1.800 horas de Formação Geral Básica e 1.200 horas de ensino técnico e profissional", explica a titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna do IEA/USP.
Além disso, Maria Helena ressalta a importância de outra medida aprovada pela Câmara: a implementação de duas etapas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). "A primeira etapa avaliaria a Formação Geral Básica, comum a todos, enquanto a segunda etapa seria focada na parte flexível do currículo, seja em um itinerário de aprofundamento acadêmico ou técnico-profissional", comenta ela.
Para Maria Helena Guimarães, há pontos que poderiam ter sido aperfeiçoados no texto aprovado. Foto: Divulgação.
Apesar de considerar que a versão final do projeto foi a melhor possível, Maria Helena ainda acredita que o ideal seria uma Formação Geral Básica igual para todos os alunos, independentemente do itinerário escolhido. "Acredito que 2.100 horas para todos, sem distinção entre os itinerários técnico-profissional ou de aprofundamento acadêmico, seria mais justo para os estudantes. Isso evitaria desigualdades na avaliação da Formação Geral Básica e no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), proporcionando as mesmas oportunidades de acesso ao Ensino Superior", argumenta.
Vetos ao ENEM
Ao sancionar a reforma do Ensino Médio, Lula vetou dois trechos da Lei que tratavam de mudanças no ENEM, o que significa que não há nenhuma previsão de alteração na prova, até o momento.
O texto aprovado no Congresso Nacional previa que, a partir de 2027, fossem cobrados os conteúdos dos itinerários formativos (parte flexível do currículo que cada aluno escolhe para se aprofundar). Desta forma, o exame continuará apenas com as disciplinas da Formação Geral Básica, o currículo que é igual para todos.
Na mensagem ao Congresso Nacional sobre o veto, o governo federal justificou que a cobrança do conteúdo flexível “poderia comprometer a equivalência das provas, afetar as condições de isonomia na participação dos processos seletivos e aprofundar as desigualdades de acesso ao Ensino Superior”.
Esses vetos são criticados por Katia e Maria Helena pelo potencial de prejudicar e desestimular a escolha por itinerários de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), uma vez que o ENEM passará a avaliar apenas a Formação Geral Básica. Ambas argumentam que sem mudanças no ENEM, o Ensino Médio corre o risco de permanecer muito semelhante ao modelo atual.
“A definição da matriz e formato do ENEM, que entra em vigor em 2027, precisa ser concluída até o final de 2025 para que as escolas preparem bem os estudantes. É um ponto determinante”, enfatiza a diretora executiva do Instituto Reúna. Segundo Katia, o veto poderá incentivar a manutenção de vestibulares tradicionais focados exclusivamente na Formação Geral Básica. "Com isso, a escolha de itinerários de EPT ficará prejudicada e as escolas poderão acabar priorizando apenas a formação geral, perpetuando a lógica do Ensino Médio tradicional", alerta.
Definição do Enem é um das discussões da reforma do Novo Ensino Médio. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A titular da cátedra Instituto Ayrton Senna do IEA/USP também expressa preocupação sobre a falta de definição sobre como será o ENEM. Ela afirma que essa mudança pode desestimular muitos estudantes a seguir o itinerário EPT, que é uma demanda crescente entre os jovens do país. "Pesquisas mostram que 40% a 42% dos alunos que concluem o Ensino Médio gostariam de seguir um itinerário técnico. Com esse veto, podemos enfrentar uma redução significativa nesse interesse", salienta.
E ano que vem?
A Lei determina que os sistemas de ensino devem começar a implementação do Novo Ensino Médio a partir de 2025 para os estudantes da primeira série do Ensino Médio, com as regras valendo também para a segunda e terceira série em 2026 e 2027, respectivamente. Porém, a demora na aprovação pode atrasar a implementação das mudanças.
"Acredito que está muito em cima da hora para o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o MEC aprovarem novas diretrizes que possam ser adotadas por todas as escolas públicas e particulares já a partir de 2025. Considero que o prazo está extremamente apertado, já que estamos em meados de setembro", afirma Maria Helena.
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Ela ressaltou que as escolas precisam de tempo para adequar seus materiais curriculares e didáticos, além de revisar seus planos de implementação, que deverão ser obrigatoriamente aprovados pelos conselhos estaduais de educação em todos os estados do país.
Para ela, a implementação dessas mudanças já a partir de 2025 é problemática. "Todos os estados e currículos brasileiros estão em processo de implementação da proposta do novo Ensino Médio com 1.800 mil horas de formação geral, e não com 2.400 horas, como prevê a nova lei, com a possibilidade de 2.100 horas para os alunos que optarem pelo Ensino Técnico-Profissional", explica.
Katia reitera que há todo um processo que ainda precisa ser feito para que a implementação da reforma seja iniciada em 2025, com definições realizadas pelo CNE e MEC e, depois, a adequação das escolas.
“O MEC deve estabelecer diretrizes para os itinerários formativos e apoiar as unidades da federação técnica e financeiramente. A depender de como tudo isso for feito, mas a visão que mencionei acima sobre o ENEM, corremos o risco de repetirmos problemas que marcam historicamente esta etapa e continuar deixando o jovem estudante do Ensino Médio sem uma formação relacionada aos seus interesses. Por isso, eu tenho alertado para a necessidade de planejar a implementação das mudanças com cuidado e em um intenso processo de colaboração entre o MEC e as Unidades Federativas porque são elas que detêm mais de 90% dos estudantes da etapa”, finaliza.
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