MEC indica proibição e especialistas avaliam os impactos da restrição de celulares em escolas
O Ministério da Educação (MEC) está preparando um projeto de lei que prevê a proibição do uso de celulares em escolas públicas e privadas do país. "Baseado em estudos científicos, em experiência mostrando o prejuízo do uso desse equipamento livre para os alunos nas escolas, vamos discutir inclusive se a proibição será em sala de aula ou na própria escola. Claro que, sendo um projeto de lei, será discutido no Congresso Nacional", declarou o ministro da Educação, Camilo Santana.
Há indícios de que o Projeto de Lei do MEC pode ainda optar por autorizar o professor a usar os aparelhos com fins pedagógicos. Vale lembrar que Reino Unido, França, Espanha, Finlândia, Itália, Holanda, Canadá, Suíça, Portugal e México proibiram os aparelhos nas escolas. Em junho deste ano, a Unesco também recomendou a medida.
No Brasil, a pauta de celulares na sala de aula e o tempo de exposição às telas de crianças e jovens levantam opiniões entre educadores sobre o impacto nas redes escolares, a efetividade de medidas de proibição e o papel das famílias.
O diretor da ZeitGeist (Educação, Cultura e Mídia) e consultor da UNESCO, Alexandre Le Voci Sayad, avalia que a discussão sobre o uso de celulares nas escolas deve ser aprofundada antes da criação de qualquer projeto de lei. “Acho importante esse projeto de lei começar a ser discutido. Mas, é preciso o debate público, porque essa questão dos celulares na escola ainda não foi completamente resolvida e carece de uma discussão mais profunda”, destaca Sayad.
Ele ressalta que a tecnologia já se mostrou fundamental em momentos como a pandemia. “A utilidade dos celulares foi comprovada durante a pandemia e há um trabalho de resposta ética que as escolas têm desenvolvido para o uso da tecnologia - algumas mais, outras menos - com a educação midiática e o eixo de cultura digital da BNCC”, afirma Sayad, que também é membro do Conselho Consultivo da Bett Brasil.
Sayad defende que a proibição pura e simples dos celulares pode ser vista como uma solução superficial. “Banir parece uma maravilha para os pediatras, eles adoram essa ideia, mas eu não acho que é o melhor caminho”, argumenta.
Segundo o educador, a questão deve ser pensada de forma diferente para faixas etárias distintas. “Para crianças menores de 13 anos, eu não tenho dúvida de que isso é positivo. Mas, para adolescentes acima dos 14 anos, acredito que o debate precisa ser mais aprofundado”, explica. Ele também lembra que, atualmente, as crianças com menos de 13 anos já estão proibidas de estar em redes sociais, de acordo com a regulamentação interna das plataformas.
Para a diretora de Conteúdo da Bett Brasil, Adriana Martinelli, a criação de uma lei que limite o uso de celulares nas escolas pode conferir legitimidade para que essa regra seja aplicada de forma eficaz, porém, essa medida sozinha não resolve o problema, que também está ligado à falta de engajamento dos estudantes.
“O uso indevido do celular reflete uma desconexão mais profunda que pode estar enraizada em metodologias de ensino que nem sempre dialogam com o mundo contemporâneo. É preciso considerar questões individuais dos estudantes, como o vício em telas e a própria desconexão com si mesmos. Muitos jovens estão tão imersos no mundo digital que acabam utilizando o celular como uma fuga, seja por falta de engajamento com a aula, seja por dificuldades pessoais que os fazem buscar refúgio nas telas”, diz Adriana.
Uso excessivo de smartphones por crianças e jovens reflete nas escolas. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Ela acredita que a chave está em um ensino que engaje os alunos. “Um aluno verdadeiramente envolvido em uma atividade significativa dificilmente se distrai com o celular; ele pode até utilizá-lo como ferramenta de apoio”, acrescenta. A diretora de Conteúdo da Bett Brasil salienta que as escolas precisam repensar suas práticas pedagógicas para promover um equilíbrio saudável entre o uso da tecnologia e o desenvolvimento integral dos alunos.
Sobre os desafios do uso de celulares em sala de aula, Sayad reforça a importância da intencionalidade pedagógica. “Para crianças maiores de 12 ou 14 anos, a intencionalidade pedagógica é fundamental no uso do celular dentro da escola”, diz.
Ele aponta que a responsabilidade pelo uso adequado dos aparelhos deve ser compartilhada entre escola e família. “O que temos visto é a família jogar para a escola essa tarefa porque não sabe o que fazer em casa. O primeiro passo seria que uma criança menor de 13 anos não tenha um celular, e isso é uma responsabilidade da família, não da escola”, afirma.
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O educador também critica o foco exagerado na quantidade de tempo de tela como o principal problema. Segundo ele, isso é apenas um dos itens: “Muito desse debate gira em torno do tempo de tela, mas o verdadeiro problema não é esse. O que realmente pesa é o uso do algoritmo e como ele influencia a interação de crianças e adolescentes com conteúdos inapropriados”, diz. Sayad completa, observando que a questão central envolve a distração e a economia da atenção, elementos impulsionados pelos algoritmos das redes sociais.
Adriana observa que a distração sempre existiu, mas que hoje as opções são infinitamente maiores. “No passado, quando nos distraímos, as alternativas eram limitadas – dobraduras, rabiscos ou aviõezinhos de papel. Hoje, com a infinidade de entretenimento e informação disponível no celular, a distração é muito mais intensa. O grande desafio é fazer da escola um espaço onde o uso consciente da tecnologia seja parte do aprendizado”, afirma.
Ela explica que a escola deve ser um espaço de aprendizado sobre o uso ético da tecnologia, a qualidade da informação, fake news e privacidade. Isso requer prática, reflexão e debate”, diz Adriana, destacando que o equilíbrio e o uso consciente das telas são o caminho.
A lei irá garantir a proibição dos celulares nas escolas?
Nesta pauta de proibição de celulares nas escolas, uma outra questão é se uma lei federal irá garantir o cumprimento integral da medida, sob a perspectiva que algumas escolas já possuem normativas que impedem a utilização de celulares em sala de aula.
“O papel da lei federal é abrir e ampliar o debate público, o que é importante, mas eu não acho que regulamentar isso seja o papel do governo. Talvez esse debate deva ocorrer em níveis de câmaras municipais, por exemplo, no caso da rede pública. E na rede particular, cada escola, em conjunto com as famílias, deve encontrar soluções específicas para lidar com a temática”, diz Sayad.
O educador ainda salienta que é preciso encarar esse debate com a devida profundidade e a complexidade. “A tecnologia digital é uma característica do nosso tempo que molda a maneira com que a gente se relaciona e trabalha. Isso faz parte do desenvolvimento da técnica humana e como lidar com isso? Voltar ou parar o tempo não dá. Tenho visto esse debate ser feito de forma muito rasa”, afirma.
Conexão Bett: presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, explica a importância da educação midiática nas escolas:
Por fim, Sayad reitera o papel crucial dos pais no controle do uso de celulares pelos filhos. “O papel primordial é dos pais. Eles precisam refletir se vão dar ou não um celular para uma criança menor de 13 ou 14 anos e quais serão os limites”, destaca. Ele ainda menciona a complexidade do debate ao lembrar que, há pouco tempo, escolas americanas incentivaram os alunos a trazerem seus próprios dispositivos para as aulas. “É uma mudança de paradigma muito rápida”, conclui, enfatizando que o debate precisa considerar tanto o contexto doméstico quanto o escolar.
Adriana pondera que a legislação pode fornecer mais respaldo para as escolas e professores, mas não é uma solução completa. “Muitas escolas já possuem normas semelhantes e, mesmo assim, enfrentam dificuldades na aplicação. O foco não deve estar apenas na proibição do celular, mas em como integrar essa tecnologia às práticas pedagógicas. Proibir o celular sem repensar o engajamento em sala de aula não resolverá o problema de fundo”, destaca.
Para ela, os pais precisam ser parte ativa do processo e devem trabalhar em parceria com as escolas para promover um uso equilibrado da tecnologia. Adriana ressalta que é importante os pais refletirem sobre seus próprios comportamentos digitais em suas casas.
“Os pais também se desconectam das telas? Existe um equilíbrio entre a presença física nas relações familiares e a conexão digital? O sucesso de qualquer política passa por criar uma cultura de conexão humana, tanto no ambiente escolar quanto no familiar”, finaliza.
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