Qual o papel dos líderes escolares no ecossistema em que atuam?
A Inteligência Artificial traz muitas promessas para o ambiente educacional, como a possibilidade da personalização do ensino e tarefas rotineiras mais ágeis para os educadores. Com isso, podemos ter maior engajamento dos estudantes, um tempo de mais qualidade entre professores e alunos e oportunidades de uso de ferramentas que exigem menos memorização e estimulam mais criatividade e pensamento crítico.
Entretanto, isso não é um caminho natural. Só se torna possível se tivermos líderes escolares que olhem para esse cenário de forma sistêmica. É fato que apenas um agente não consegue realizar mudanças ou ser o que chamamos de “salvador da pátria”. Mas, qual seria a responsabilidade do líder escolar?
Qualquer mudança para ser efetiva precisa ser desenvolvida no tripé: cultura (pessoas), processos e tecnologia. A liderança deve avaliar seu contexto ponderando esses três pontos e gerenciando a comunidade escolar - composta por gestores, alunos, professores e responsáveis -, pensando de forma sistêmica e ajustando o plano conforme seus recursos disponíveis.
Um exemplo pessoal: no passado, fui diretor de uma escola que contava com mil alunos e assumi um time que não se comunicava com eles. Ao questionarmos os coordenadores com quantos alunos eles falavam por pelo menos dez minutos durante a semana, a resposta foi irrisória. Literalmente, quebramos as paredes da coordenação, construímos questionários e demos um prazo para que os alunos fossem atendidos. Nesse tempo, muitos questionaram os motivos de se fazer isso perante a quantidade de outras demandas que tinham e julgavam serem mais importantes. Descobrimos diversas histórias interessantes e essa experiência mudou a cultura da escola e a relação dos alunos e das famílias com a instituição escolar. Para isso, usamos uma tecnologia e um processo simples, apenas uma planilha de Excel e entrevistas. E o que tirar com essa situação? Que não é preciso ter uma tecnologia de outro mundo para revolucionar sua escola. É preciso intencionalidade.
Estamos vivendo hoje o advento de tecnologias que podem democratizar o uso de dados e personalização de ensino como nunca fomos capazes antes. Mesmo que sem intenção, a IA já gera efeitos no tripé que mencionei inicialmente, e impacta os pilares de cultura e processos. Por isso, precisamos encontrar intencionalmente um novo equilíbrio e nos questionar se devemos ensinar as mesmas coisas, se devemos avaliar e fazer deveres de casa da mesma maneira e como nos adaptar em um mundo onde a IA está impactando a forma como nos relacionamos. O líder escolar precisa estar envolvido e preparado para o processo da mudança, mas também ser proativo.
Para lidar com essas questões, alguns elementos são importantes na chegada de novas tecnologias. O primeiro deles é relembrar o objetivo central de uma escola: educar os estudantes. Como exemplo, trago o livro Education for the Age of AI (Educação na Era da IA, em tradução livre), lançado por Chales Fadel, fundador do Center for Curriculum Redesing. Em sua concepção, o termo sabedoria está relacionado a conhecimento, habilidades, caráter e meta-aprendizagem. Para ele, precisamos de uma educação que permita aos alunos se desenvolverem para se tornarem alunos responsáveis, que entendam seu papel no mundo e se vejam como pessoas capazes de reiteradamente influenciar sua realidade positivamente, com propósito. E, embora a tecnologia possa impactar o processo, nada disso muda com a Inteligência Artificial e, em realidade, esses aspectos são reforçados.
Outro elemento importante é olhar para o ecossistema e entender o que está no controle do líder escolar e ter a visão clara do que é preciso na escola para conseguir ajudar a promover e a conquistar. O terceiro elemento é garantir segurança psicológica para inovar e isso significa ter diretrizes que são obtidas junto à comunidade com uma visão compartilhada do que é certo ou errado. Para isso, é importante envolver a todos de modo a desenhar acordos que mitiguem medos e riscos e relembrem do objetivo geral.
Por fim, é fundamental lembrar que a educação segue tendo as relações humanas no centro. O líder escolar é um agente comunitário e precisa entender onde as máquinas entram, quais são as vocações humanas e onde isso se conecta em prol de relações melhores. Sempre nos lembremos de utilizar IA de uma forma a aumentar nossa humanidade e não a substituir. Assim, intencionalidade é chave para esse processo que não é natural. E inevitabilidade deve ser uma palavra esquecida.
Sobre o autor:
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Guilherme Cintra
Diretor de Inovação e Tecnologia da Fundação Lemann
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