Quer que a educação dê certo? Escute os estudantes
Os anos de não-continuidade de políticas públicas na educação, somados aos oportunismos de mercado, transformaram a educação brasileira numa máquina pouco inteligente. Entre camadas e mais camadas de miudezas e discursos que não saem do imaginário, a escola muitas vezes se parece com um cabide que desapareceu devido à quantidade de roupas penduradas e empilhadas sobre ele. O estudante sai malformado e, geralmente, frustrado.
Questões básicas sobre “para quem a escola serve?” ou “no mundo contemporâneo, qual o seu papel?” devem ser trazidas à nossa consciência com alguma frequência, ou a própria velocidade de transformação da sociedade nos faz perder o olhar sistêmico. Afinal, sem ele, é impossível chegar a algum lugar - tal qual um comandante de avião que não tem disponível um mapa e pilota apenas por informações instantâneas.
Se considerarmos a escola como uma cebola e tentarmos despi-la do acúmulo de apetrechos desnecessários - entre burocracias e pretensas utilidades -, o que teríamos? Camada após camada descascada, restariam três pilares: estudante, professor e gestor. Mesmo assim, podemos ir mais fundo, se buscarmos para quem a ela foi feita. Chegaríamos somente aos estudantes, os sujeitos da educação.
O que eles pensam da escola, feita para eles? Pouco se sabe, salvo raras pesquisas feitas por institutos e fundações. A escuta e voz ativa, desde a desastrosa experiência inglesa de SummerHill na década de 1970, causa arrepios em muitos gestores e está por vezes restritas aos grêmios (aparatos importantes) ou às instituições autodenominadas de “democráticas”. Não à toa, muitas escolas são ambientes frios e adultos, frequentados por crianças e jovens.
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Não precisa ir muito longe para conectar qualidade de educação com voz ativa da comunidade escolar. Ainda no começo da década de 2010, pesquisas do Unicef (como a Aprova Brasil) criavam um elo direto entre as instituições que tinham mecanismo de escuta de seus alunos, com aquelas mais bem posicionadas em avaliações do MEC (Ministério da Educação). O Centro Ruth Cardoso, por sua vez, criou uma espécie de festival de soluções escolares criadas pelos estudantes: rádios coordenados por eles e espaços de troca de conhecimento entre pares foram os resultados mais frequentes.
No campo de disputa do Ensino Médio, graças a pesquisas do ‘Todos pela Educação’, foi possível perceber que 98% dos estudantes concordam (totalmente ou em parte) que deveria haver opções de formações voltadas para o mercado de trabalho e que 92% concordam (totalmente ou em parte) que deveriam poder escolher áreas para aprofundar seus estudos.
A exclusão escolar, que hoje chega perto dos 10 milhões de jovens no Brasil, apresenta fortes pistas de que o ambiente educativo não tem sintonia com quem deveria frequentá-lo. Segundo a Fundação Roberto Marinho, 73% desses jovens estariam dispostos a voltar à escola. Muitos deles apontam dificuldade de conciliar o estudo e a necessidade de trabalhar; outros percebem uma desconexão entre esses dois mundos.
Em tempos em que consumidores têm canais abertos de escuta pelas empresas, e essas refinam seus produtos baseados neles, é finalmente hora de sabermos o que pensam nossos estudantes, de forma sistêmica e sólida. Somente ações coordenadas entre governos, iniciativa privada e sociedade civil serão capazes de resolver essa questão. Por isso, o fato da Bett Brasil criar um espaço de fala e escuta para eles é um passo fundamental no estabelecimento de uma nova cultura de participação.
Sobre o autor:
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Alexandre Le Voci Sayad
Diretor da ZeitGeist e consultor da UNESCO
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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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