Como dados podem humanizar a gestão escolar
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Quando falamos em trabalhar com o uso de dados, muitos ainda fazem uma associação a números frios e relatórios descontextualizados da realidade. Gestores escolares, muitas vezes, têm dificuldade em acessar informações sobre seus alunos, como suas trajetórias e necessidades, devido às demandas de seus ofícios.
Além disso, geralmente esses profissionais estão separados do convívio com o estudante no dia a dia da sala de aula e muitas vezes, são responsáveis por um alto número de crianças e adolescentes em um determinado período. A tecnologia, quando bem aplicada, pode transformar essa realidade e tornar a gestão escolar mais humana.
Durante a minha carreira atuei tanto como diretor escolar quanto como professor e posso afirmar que a experiência em sala de aula, com os estudantes, é totalmente diferente do espaço da sala de um gestor, repleta de documentos e registros. Assinaturas de ofícios, por exemplo, possuem uma função quase que exclusiva: proteger legalmente a instituição diante de eventuais problemas. Por que e quando chegamos ao ponto de usar a burocracia como escudo, ao invés de enxergar nesses registros um instrumento para compreender nossos estudantes?
É importante que a perspectiva seja invertida. O gabinete pode deixar de ser apenas um arquivo morto para se tornar uma poderosa ferramenta de gestão pedagógica. Para isso, a tecnologia precisa estar apoiada em um tripé: processos claros, mudança de mentalidade e desenvolvimento de soluções que possam ser implementadas no cotidiano escolar.
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Após conversar com alguns colegas que atuavam na mesma escola que eu, fiz um levantamento informal e percebi que os coordenadores daquela rede escolar interagiam com uma média de 80 alunos por semana. Em uma escola com mil estudantes, isso corresponde a apenas 8%, o que significa dizer que a imensa maioria, pelo menos 90%, permanecia invisibilizada. Ou seja, suas demandas não eram ouvidas e os gestores sequer tinham informações concretas sobre eles.
Alunos invisibilizados são os que estão em maior risco, seja por piora nas notas, sinais de fragilidades emocionais ou até evasão escolar. Sem as informações, não é possível identificar a origem de seus problemas, tampouco a solução necessária para reter e educar esses estudantes.
Decidimos abrir as portas da coordenação e coletar dados de todos os estudantes que passassem por ali, no estilo papel e caneta mesmo. Começamos com uma pergunta específica para chegar na resposta de um problema que estávamos tendo: em que momento o interesse por matemática declina?
A resposta que recebemos dos estudantes foi: a partir do terceiro ano do ensino fundamental. E, no currículo, é quando eles aprendem mais variáveis, um conceito abstrato. A partir dessa experiência, foi possível concluir que isso é o que gerava dificuldade nos alunos.
Dados brutos não resultam em informações. Nas escolas, acumulamos registros em planilhas, diários e sistemas que raramente se convertem em conhecimento prático. Mas, quando conseguimos estruturar essas informações de forma inteligível, transformamos dados em conhecimento e conhecimento em sabedoria para orientar nossas decisões. Esse ciclo fortalece uma comunidade escolar mais equilibrada, capaz de agir com humanidade.
A tecnologia entra aqui como um facilitador. Softwares gerados por Inteligência Artificial podem construir um banco de dados para que os gestores possam analisar e construir soluções. É verdade que muitos ainda desconfiam de algoritmos e ferramentas digitais. Por isso, é necessário simplificá-las, tornar seus funcionamentos transparentes e, principalmente, mostrar que o objetivo não é substituir a relação humana, mas potencializá-la.
Em uma das redes em que trabalhei, testamos a criação de protocolos de comportamento em parceria com as famílias, a partir do perfil dos alunos. Começamos com um protótipo, mas a partir de validações com educadores fomos evoluindo até transformá-lo em um software hoje usado por milhares de profissionais.
Acumular dados em pastas pouco utilizadas em escritórios e arquivos não é o bastante para fazer a diferença. Frequência escolar, demandas, assiduidade de pais em reunião e demandas trazidas para a coordenação são dados capazes de serem transformados em informação útil, que apoie gestores e educadores a enxergar cada aluno para além das notas e relatórios. E a tecnologia é o apoio que pode nos devolver a capacidade de olhar de forma mais atenta para cada um dos estudantes.
Sobre o autor:
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Guilherme Cintra
Diretor de Inovação e Tecnologia da Fundação Lemann
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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