Apostas online: de letramento em letramento, a educação pode dar sua contribuição
Para começarmos: o objetivo deste texto é abordar as apostas online e refletir sobre seus impactos nos adolescentes e como a escola pode se posicionar.
Trata-se de um problema vasto, tanto que o Ministério da Fazenda, com a Portaria nº 1.231/2024, visa a prevenção de vícios e endividamentos, estabelecendo esta prática de forma saudável. Contudo, apenas vamos focar na educação, já que outros desdobramentos cabem a outras esferas, como, por exemplo, a já citada governamental.
Convenhamos que apostas de qualquer natureza não devem fazer parte das atividades de crianças e adolescentes, inclusive as plataformas têm avisos sobre serem para maiores de 18 anos. Logo, se menores têm acesso, algo está errado.
Acreditamos que, por meio do diálogo, da informação qualificada e do desenvolvimento de múltiplas formas de letramento, fomentaremos uma conscientização mais eficaz.
Vale lembrar que este não é um problema exclusivo da atualidade: desde textos clássicos como o Bhagavad Gita (datado de 400 a.C.) até episódios de programas de TV, como “Todo Mundo Odeia o Chris”, já se discutiam as consequências das perdas e a reflexão sobre as escolhas.
E, é bem provável que isso continue existindo, buscando novas formas de se apresentar com as características da época e das mídias em questão, por isso acreditamos que a educação tem um papel essencial em ajudar as pessoas a compreender as variáveis envolvidas, permitindo que, de fato, se compreenda formas de se entreter de maneira saudável e adequada.
A expansão digital dos jogos de azar
Plataformas digitais especializadas em apostas esportivas, cassinos virtuais e outros jogos de azar estão alcançando um público crescente. O universo das apostas online tem se expandido de forma acelerada. Para o professor Jeffrey Derevensky, da Universidade McGill, a aproximação de jovens em relação às formas de jogar online representa uma epidemia em função dos riscos e consequências comportamentais que isso está desencadeando.
É importante observar que o ser humano, por natureza, gosta de jogar e brincar. Aproveitando-se dessa inclinação, tais atividades podem ser entendidas como "atividades recreativas", com a promessa de ganhos financeiros. Qualquer jogo (digital ou analógico) por definição é estruturado por meio de regras, estratégias e recompensas, o que pode criar uma falsa percepção de que, nos jogos de azar, quanto mais se joga, maiores serão as chances de ganhar. Contudo, para continuar participando, é necessário o investimento contínuo de tempo, atenção e, principalmente, dinheiro.
Vale ressaltar que jogos de azar, por definição, não dependem de habilidades, mas de sorte, o que pode gerar sérios problemas financeiros e emocionais nos usuários de forma geral, inclusive se agravando nos adolescentes (conforme afirma a literatura acadêmica sobre o tema).
Letramento lúdico: estratégias de engajamento
Nem tudo que parece um jogo é, de fato, um jogo. O ambiente digital de apostas mistura entretenimento com a promessa de ganhos financeiros, criando uma experiência atrativa e cativante. A tecnologia, ao se apresentar de maneira envolvente, estabelece um vínculo emocional com os usuários, tornando o risco algo tentador. O prazer imediato de jogar pode ser suficiente para que alguém comece a se envolver com comportamentos que podem se tornar problemáticos.
O conceito de letramento lúdico, ou "ludoliteracia", é fundamental para entender como as experiências de jogo podem se tornar viciantes e como a percepção do ato de jogar pode mudar ao longo do tempo. Como podemos diferenciar o simples ato de brincar, jogar e apostar? Quais os impactos dessa prática em nossas vidas e na sociedade?
Letramento digital: compreendendo os mecanismos
O letramento digital se torna uma ferramenta essencial no processo de conscientização sobre as apostas online. É fundamental entender como algoritmos funcionam e podem ser usados para maximizar o engajamento, personalizar a experiência de cada usuário, ajustar suas interfaces conforme o comportamento do usuário, incentivando o uso contínuo.
Por isso, é importante que os jovens compreendam como seus dados estão sendo usados e como essas plataformas moldam suas ofertas com base nas preferências individuais de cada pessoa.
Letramento financeiro: além da ilusão de ganho
O letramento financeiro é essencial para que os jovens entendam as reais probabilidades de ganho envolvidas nas apostas. Ao compreender melhor as probabilidades e os riscos, eles se tornam mais preparados para reconhecer comportamentos de risco e os perigos do endividamento. A matemática por trás dos jogos de azar mostrará que as vantagens nunca estarão do lado daquele que joga.
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Letramento midiático: desconstruindo narrativas
A exposição massiva das apostas online na mídia exige uma alfabetização midiática crítica. É fundamental que se desenvolva a capacidade de identificar estratégias publicitárias, analisar discursos, analisar o conteúdo compartilhado por influenciadores digitais e entender os interesses econômicos que estão por trás das aparências e interpretações.
Reconhecer como as plataformas estruturam suas mensagens para atrair e engajar os usuários pode ser uma maneira eficaz de combater a normalização dos jogos de azar e os riscos que eles envolvem.
Compreensão dos riscos e autocuidado
As apostas online representam não apenas um risco financeiro, mas também podem afetar significativamente o bem-estar psicossocial dos jovens. O envolvimento excessivo pode levar ao desenvolvimento de transtornos de vício, danos à saúde mental, isolamento social, problemas legais e comprometer o futuro financeiro (conforme a literatura consultada).
Portanto, é fundamental que as instituições educacionais desempenhem um papel ativo, criando espaços para reflexão crítica e abordando questões como educação financeira, letramento digital e as influências da mídia. Essas ações podem ajudar a promover uma conscientização mais eficaz, permitindo que os jovens reconheçam os riscos.
Sobre o autor:
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Francisco Tupy
Doutor pela Universidade de São Paulo com ênfase em videogame
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
Fontes:
MATEO-FLOR, J.; ALGUACIL, M.; GONZÁLEZ-SERRANO, M. H. Gambling and sports betting by teenagers. Journal of Physical Education and Sport, v. 20, n. 2, p. 605-614, 2020.
DEREVENSKY, Jeffrey L. Teen gambling: Understanding a growing epidemic. Rowman & Littlefield Publishers, 2012.
GRIFFITHS, Mark D.; PARKE, Jonathan. Adolescent gambling on the Internet: A review. International Journal of Adolescent Medicine and Health, v. 22, n. 1, 2010.
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