A dignidade humana passa pela janela da escola
A vida tornou-se, de fato, um veículo que se conduz no piloto automático. Estamos mergulhados em uma maratona diária onde só a vitória nos importa. E, quase sempre, a nossa vitória, jamais a do outro. Pais ensinam aos filhos a se prepararem para a luta da vida. Amigos estão sempre se queixando que a luta diária é complicada. Empresários se queixam da luta nos negócios e assim, por toda parte, estamos aqui e ali ouvindo o quanto tudo se tornou veloz.
Acontece que essa velocidade que foi imprimida na vida não tem um culpado só. Talvez culpados. Mas, sem saber quem é o algoz dificilmente temos alguma chance de derrotá-lo. Culpar o capitalismo por tudo não me parece adequado e nem sábio nesse instante. Culpar a família tampouco. A culpa aqui é um sujeito indeterminado.
O que sabemos é que se seguirmos assim pouco de nós restará para a próxima etapa. Médicos apontam os desgastes da saúde com a vida corrida. Psicólogos alertam para os males do século ligados ao equilíbrio mental. Religiosos pregam uma volta do Salvador que precisará ser visto e ouvido. Porém, a tudo isso será necessário o tempo e a contemplação. Aqui é que entra a escola.
A escola é responsável por essa vida desenfreada a 200 km por hora. Crianças e jovens têm na escola o primeiro espaço físico de convivência coletiva depois do aconchego dos lares. É na escola o lugar onde uma criança vai enfrentar os primeiros conflitos da diferença. A diferença das escolhas, dos valores e da diacronia da vida. É na escola o lugar onde a criança vai descobrir que o seu eu não está completo.
É na escola que um ou muitos professores dirão à criança – não está bom. Não é assim que eu pedi. Faça novamente. Se prepare para ser alguém na vida. Tem um vestibular daqui a pouco na sua vida e você precisa se preparar para isso. O mundo do trabalho espera gente pronta e preparada para os desafios – seguem eles.
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São tantas informações sobre o futuro que é na escola que uma criança descobre que não é possível viver o presente. Amanhã tem prova, estude. Mês que vem tem entrega de trabalho, apure. No ano que vem você vai estudar tal coisa, continuam. Essas são outras projeções de futuro que mostram o quanto a escola ignora o presente e projeta a vida num futuro que nunca chega.
Pai e mãe, amigos e pessoas próximas também falam isso e outras questões com as crianças, mas é a escola que dialoga muito, fala todos os dias e fala em diferentes disciplinas. A escola tem o privilégio de ficar diariamente por, no mínimo, 4 horas falando com o aluno. É essa frequência e essa intensidade que durante um ano letivo vai construindo camadas num ser em desenvolvimento.
Acontece que entra ano e sai ano e, ao chegar na adolescência, a escola já empilhou tantas camadas num aluno que muito dificilmente ele ficará ileso a elas. Se essas camadas forem de limitações, de direcionamento estagnantes e, sobretudo, de certezas absolutas, isso causará danos irreversíveis ao desenvolvimento das crianças e dos jovens. Digo isso porque as famosas janelas de oportunidades cerebrais já terão se perdido a essa altura. A infância já terá ficado para trás e os sonhos e as utopias certamente já deram espaço à realidade cruel da vida.
As crianças e os jovens aprendem muito cedo que não há tempo a perder. Sonhar é perder tempo. Imaginar é perder tempo. Consumir a música e a rate é perder tempo. Brincar é perder tempo. E, pouco a pouco, falando sobre isso, lendo sobre isso e escrevendo sobre isso a escola e seus professores seguem desalojando a vida e pondo em seu lugar a brutalidade, o dinheiro, a pressa, a competição, a concorrência e o networking.
Acontece que tudo isso em grande quantidade e na hora errada e de forma errada faz acontecer a perda da dignidade humana. A criança a sua visibilidade. O jovem se torna apenas um ser que incomoda na sociedade e a criatividade morre. Morre assim também a possibilidade de novas descobertas e de novas mentes pensando fora da caixa.
A escola precisa tornar a ser uma fábrica de sonhos e com isso trazer de volta a dignidade há tempos perdida. A dignidade daquele que pensa e é autorizado a pensar. A dignidade daquele que cobra e lhe é permitida a chance o direto da cobrança. A dignidade de ser diferente e de aceitar e conviver com o diferente. Sem conhecimento aumenta o preconceito e a ignorância. Sem o saber aumentam as distancias entre homens. Sem espaços para o pensar e para o discordar, se impõe filosofias fundamentalista que oprimem, machucam e levam o que de pouco resta na dignidade humana. Quanto maiores são os conhecimentos maiores são as chances de uma sociedade se fazer plural. Somos múltiplos como o universo o é.
Sobre o autor:
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Geraldo Peçanha de Almeida
Pedagogo, psicanalista, mestre em Teoria Literária e doutor em Crítica Literária
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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