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ECA Digital: guia de conformidade para instituições de ensino

por Alessandra Borelli
ECA Digital: guia de conformidade para instituições de ensino
Foto: Freepik
Estatuto Digital da Criança e do Adolescente representa o mais significativo ponto de inflexão no direito digital brasileiro desde a LGPD

A publicação da Lei nº 15.211/2025, que institui o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital), representa o mais significativo ponto de inflexão no direito digital brasileiro desde a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Assim como ocorre com empresas dos mais diversos setores e instituições de ensino, esta não é apenas uma atualização regulatória, mas uma redefinição de suas responsabilidades no ecossistema digital. O estatuto estabelece um novo e rigoroso paradigma para a operação de qualquer tecnologia educacional, transformando a proteção infantojuvenil de um princípio ético para um imperativo jurídico com consequências reputacionais, operacionais e financeiras sem precedentes.

O alcance da lei é vasto, ancorado no conceito de “acesso provável” por crianças e adolescentes, capturando essa ampla definição, não apenas as plataformas explicitamente direcionadas ao público jovem, mas praticamente todo o arsenal tecnológico de uma instituição moderna, desde sistemas de gestão de aprendizagem (LMS) e aplicativos de comunicação até bibliotecas virtuais e softwares de terceiros. Ignorar essa nova realidade não é uma opção, pois o regime sancionatório com multas que podem alcançar 10% do faturamento bruto ou até R$ 50 milhões sinaliza uma nova era de fiscalização intensa.

A complexidade do cenário se intensifica com a simultânea transformação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em agência reguladora, conforme o Decreto nº 12.622/2025, publicado no mesmo dia da sanção presidencial.

Esta mudança institucional não é algo meramente simbólico, mas uma medida que confere à ANPD poderes ampliados e autonomia reforçada para atuar como a autoridade administrativa autônoma responsável pela fiscalização e aplicação das sanções previstas no ECA Digital, sendo atribuído à nova Agência competências inéditas no universo da proteção infantojuvenil digital, consolidando-se como o árbitro supremo das práticas tecnológicas que envolvem crianças e adolescentes.

O prazo de seis meses estabelecido pela vacatio legis funciona como um acelerador de transformações, comprimindo anos de evolução regulatória em meses de adequação frenética, período que não deve ser subestimado, já que representa uma janela crítica para que as instituições implementem mudanças estruturais profundas em seus ecossistemas digitais, sob pena de enfrentarem medidas que podem comprometer sua viabilidade operacional.

Cinco providências a serem adotadas para a conformidade

Para começar, a adequação ao ECA Digital exige uma abordagem proativa e multidisciplinar, devendo o roteiro de conformidade contemplar ao menos cinco áreas de atuação fundamentais, cada uma demandando expertise específica e investimento estratégico.

A primeira providência consiste no mapeamento e auditoria completa do ecossistema digital institucional. Esta importante etapa requer a realização de um inventário exaustivo de todos os softwares, plataformas e aplicações em uso, sejam próprias ou de terceiros. Cada ferramenta deve ser classificada com base no critério de “acesso provável” estabelecido pela lei, avaliando-se os riscos associados à privacidade, segurança e bem-estar dos alunos conforme determina o artigo 8º.

Paralelamente, torna-se imperativo mapear o fluxo completo de dados pessoais dos alunos em todo o ecossistema digital da instituição, identificando pontos de vulnerabilidade e oportunidades de otimização da proteção.

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A segunda providência concentra-se na due diligence rigorosa dos fornecedores tecnológicos. As instituições devem auditar meticulosamente os contratos com todos os fornecedores de tecnologia educacional (EdTechs), garantindo que suas cláusulas de proteção de dados e responsabilidade estejam perfeitamente alinhadas às exigências do ECA Digital.

Mais do que uma revisão contratual, esta etapa exige a transformação da segurança digital em critério fundamental de seleção e permanência de parceiros tecnológicos, sendo recomendável a exigência de demonstrações concretas de conformidade dos fornecedores, identificando e mitigando proativamente os riscos de herdar “passivos tóxicos” de plataformas que não se adequarem ao novo marco regulatório.

A terceira providência envolve a implementação de mecanismos robustos de controle e verificação. As instituições devem desenvolver ou adotar sistemas eficazes e não invasivos para verificação da idade dos usuários, adequando a experiência e o conteúdo oferecido a cada faixa etária específica, conforme estabelece o artigo 10 da lei.

Simultaneamente, torna-se indispensável estruturar processos claros e auditáveis para obtenção e gestão do consentimento dos pais ou responsáveis, especialmente no tratamento de dados de crianças. O desafio técnico e ético reside em oferecer ferramentas de supervisão parental que equilibrem harmoniosamente a necessidade de proteção com o respeito à autonomia progressiva do adolescente.

A quarta providência fundamenta-se na implementação de segurança e privacidade por padrão (privacy by design). Todas as plataformas e sistemas devem vir configurados automaticamente com o mais alto nível de proteção de privacidade e segurança, conforme preconiza o artigo 7º da legislação.

Esta abordagem exige uma revisão criteriosa das interfaces para eliminar ou mitigar elementos que incentivem o uso compulsivo ou exponham os usuários a riscos desnecessários, atendendo ao disposto no artigo 8º, inciso IV. Complementarmente, as políticas de privacidade e termos de uso devem ser completamente reescritas em linguagem clara, simples e acessível para diferentes públicos: crianças, adolescentes e pais, cada um com suas necessidades específicas de compreensão.

Nesse ponto, técnicas de Visual Law e Legal Design, aliadas ao uso consistente de plain language, mostram-se instrumentos eficazes para transformar documentos jurídicos em ferramentas de comunicação realmente compreensíveis e funcionais.

A quinta providência concentra-se na educação e capacitação abrangente da comunidade educacional, cabendo às instituições de ensino o compromisso de criar programas de formação contínua para educadores e colaboradores, abordando tanto as novas obrigações legais quanto as melhores práticas de segurança digital.

O letramento midiático e digital deve ser integrado transversalmente ao currículo, capacitando os alunos a gerenciar autonomamente sua privacidade e identificar riscos no ambiente online. Paralelamente, e também considerando os direitos que a lei visa tutelar, é esperado que as instituições de ensino também promovam workshops e materiais educativos direcionados aos pais, transformando-os em aliados ativos na construção de um ambiente digital seguro e educativo.

Do dever de conformidade à oportunidade de vantagem competitiva 

O ECA Digital força as instituições de ensino a elevarem drasticamente seu padrão de governança digital, mas este processo de conformidade, embora relativamente complexo, sobretudo em razão do prazo estabelecido, não deve ser percebido como mero fardo regulatório.

As instituições que abraçarem proativamente essa transformação e implementarem as providências necessárias de forma diligente e transparente não estarão apenas evitando sanções severas, mas construindo uma base sólida e duradoura de confiança com as famílias, reforçando sua reputação como ambientes de excelência e cuidado integral.

Em um mercado educacional cada vez mais competitivo e exigente, a capacidade de demonstrar um compromisso inequívoco com a segurança e o bem-estar digital dos alunos se tornará um diferencial estratégico poderoso. Esta postura proativa consolidará a instituição como líder em um novo paradigma de responsabilidade educacional na era digital, onde a proteção da infância e adolescência transcende o cumprimento legal para se tornar um valor institucional fundamental e um selo de qualidade reconhecido pela comunidade.

O prazo de seis meses da vacatio legis representa, portanto, não apenas uma obrigação temporal, mas uma oportunidade única de posicionamento estratégico no mercado educacional brasileiro. As instituições que compreenderem e aproveitarem este momento de transição emergirão como referências em segurança digital educacional, estabelecendo um padrão de excelência que se tornará cada vez mais valorizado por famílias conscientes dos desafios e oportunidades da educação na era digital.

Sobre a autora:


*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.

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