Neuroética, neurodireitos e cidadania digital: o próximo passo da educação
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Vivemos mais um momento de virada. A escola do século XXI é, cada vez mais, o espaço onde se formam os cidadãos que habitarão um mundo digital complexo, veloz e cheio de nuances. Nesse cenário, dois temas emergem como urgências educacionais inadiáveis: a neuroética e a cidadania digital.
Afinal, como proteger o bem-estar emocional e cognitivo de crianças e adolescentes que crescem em meio a estímulos digitais permanentes, algoritmos personalizáveis e interações cada vez mais mediadas por telas? Como garantir que o uso das tecnologias seja ferramenta de desenvolvimento e não gatilho de dependência, ansiedade ou impulsividade?
A neurociência já nos ensinou, o cérebro humano continua em formação até por volta dos 25 anos, e justamente por isso, é altamente moldável, para o bem e para o mal. Hoje, sabemos que notificações constantes, recompensas intermitentes e estímulos visuais intensos impactam diretamente regiões cerebrais responsáveis por atenção, autorregulação e tomada de decisão.
É aí que entra a neuroética, uma nova fronteira do conhecimento que une direito, ciência, saúde e tecnologia, para pensar os limites do que é aceitável ao influenciar pensamentos, emoções e decisões humanas. E, junto com ela, emerge a discussão dos neurodireitos, um conjunto de garantias voltadas à proteção da mente frente ao avanço das tecnologias digitais e neurotecnológicas.
De onde surgiram os neurodireitos?
O conceito ganhou visibilidade a partir de 2017, com a NeuroRights Initiative, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.
O objetivo? Garantir que, diante da crescente capacidade tecnológica de interferir em nossos pensamentos e comportamentos, a mente continue sendo um espaço protegido, inviolável e livre.
O Chile foi pioneiro: em 2021, tornou-se o primeiro país do mundo a reconhecer os neurodireitos em sua Constituição, exigindo consentimento informado, transparência algorítmica e proteção especial para crianças e adolescentes. A Espanha também já debate o tema no parlamento, com foco na proteção de dados neurais e limites à manipulação comportamental via tecnologia.
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No Brasil, embora o debate ainda esteja começando, a oportunidade é estratégica. Já temos marcos importantes como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que asseguram a integridade emocional e estabelecem salvaguardas específicas para o tratamento de dados de menores. No plano internacional, o Comentário Geral nº 25 da ONU e a Recomendação da UNESCO sobre Ética da IA reforçam a urgência de proteger a infância no ambiente digital.
E as escolas, como entram nessa conversa?
A resposta não está em criar uma disciplina, mas em transversalizar a temática da neuroética e da cidadania digital em todos os espaços formativos da escola. Em vez de esperar por uma regulação formal, várias instituições já estão inovando com responsabilidade, criando ambientes onde o bem-estar emocional e a reflexão crítica são prioridade.
Exemplos práticos incluem pactos de convivência digital com alunos e famílias, momentos coletivos de desconexão, reflexões interdisciplinares sobre algoritmos e recomendação de conteúdo, rodas de conversa com perguntas como: “O que você sente ao passar muito tempo nas redes?” ou “Você percebe quando está sendo influenciado por algo online?”
Na Bett Brasil, considerado o maior evento de Inovação e Tecnologia para Educação da América Latina, essas conversas estão ganhando palco e é lá que educadores, gestores, pesquisadores e tomadores de decisão se encontram para discutir como garantir que a infância digital seja também uma infância protegida, inclusive no que diz respeito à liberdade de pensamento e emocional.
Proteger a mente em desenvolvimento não é censura nem retrocesso, mas garantia de liberdade genuína. E liberdade, no mundo digital, exige preparo e a educação tem papel importantíssimo nesse processo: formar pessoas capazes de pensar por si, resistir à manipulação invisível e usar a tecnologia como ferramenta, e não como algema.
Cidadania digital e neuroética devem caminhar juntas. A primeira nos ensina nossos direitos e deveres no mundo virtual e a segunda nos lembra que nem tudo o que é possível é aceitável.
Sobre a autora:
Alessandra Borelli
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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