Inteligência artificial e escolas: banir ou aprender para desfrutar e ensinar do jeito certo?
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Nos carros autônomos, aplicativos de rotas, controle de estoques de produtos, atendimento automatizado ao cliente e em inúmeras outras situações do dia a dia, já podemos ver e viver a presença da inteligência artificial.
No campo da educação não seria diferente, e são várias as incursões da IA no setor. Aliás, há muito potencial para o seu uso na área, tanto para contribuir para o aprendizado do aluno como para otimizar e até mesmo aprimorar a atividade do professor.
Nesse sentido, o professor, autor e futurista Matthew Lynch bem resume cinco importantes vantagens da integração da IA à educação: customização do conteúdo é uma delas, assim como a possibilidade do ensino personalizado, da tempestiva avaliação de desempenho, do feedback instantâneo sobre a qualidade do método e estratégias de ensino aplicadas, além do retorno imediato das dificuldades enfrentadas pelos alunos.
Sem nos atermos aqui à necessária observância aos aspectos legais que devem nortear tais aplicações, sobretudo no que se refere à proteção de dados pessoais, a IA já vem sendo adotada para, inclusive, ajudar os alunos com necessidades especiais a ter acesso a uma educação mais igualitária, assim como para facilitar e gerenciar jogos educacionais, proporcionar experiências de instruções guiadas, desenvolver planos de aulas, otimizar a comunicação entre escolas e famílias, avaliações diagnósticas e mais.
Certa vez li uma frase que assim dizia: viver a situação é sabedoria, pensar na situação é teoria. Com os avanços tecnológicos na velocidade em que caminham e seus impactos sobre a sociedade, quanto maior a possibilidade e interesse de nos anteciparmos com relação a eles, melhor será a maneira de deles desfrutarmos.
Pudemos acompanhar o que a pandemia de Covid-19 provocou em muitas instituições de ensino que durante anos não conseguiam evoluir com projetos relacionados ao uso das novas tecnologias na proposta pedagógica.
Com a “virada abrupta da chave”, vale lembrar que vieram também as inseguranças em relação à utilização de aplicativos de videoconferência, à vigilância com relação às aulas, feita pelos próprios alunos, professores e respectivas famílias, uns em relação aos outros, e vários outros desafios que fizeram parte do “pacote”.
Da mesma forma, a necessidade de escolas se prepararem para a chegada da IA não é recente, sobretudo pelo fato de as ferramentas de IA já se mostrarem presentes nesse universo há algum tempo. Mas foi somente a partir do chatbot ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, e de sua acelerada adesão que o assunto ganhou maior relevância.
Também pudera: o serviço possui diversas e surpreendentes funções, como respostas a qualquer tipo de pergunta e em qualquer idioma, resolução de equações matemáticas, resumos de textos, traduções, recomendações, correções de códigos... E o melhor: tudo gratuito e facilmente utilizável. Quem já conhece e utiliza assistentes como Alexa e Siri saberá tranquilamente interagir com o ChatGPT.
Mas o interessante foi notar, em alguns dos debates sobre o tema de que tive a oportunidade de participar, que o pânico culminado pela ferramenta tem feito com que muitos professores e diretores de escolas criassem repulsa ao chatbot sem sequer tê-lo experimentado.
Muitos vêm direcionando sua energia, tempo e pesquisa na busca por meios de coibir o uso por seus alunos e por ferramentas capazes de detectar quando as funcionalidades do chat foram empregadas nas atividades escolares. Há quem justifique, compreensivelmente, a preocupação de que o bot venha a oferecer informações equivocadas aos mais vulneráveis, que, com isso, teriam o seu desenvolvimento pedagógico comprometido.
Nova legislação restringiu uso de celulares nas escolas. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Em janeiro de 2023, um mês após o lançamento da ferramenta de IA da OpenAI, o governo nova-iorquino chegou a proibir o uso do ChatGPT em dispositivos e redes escolares, por entenderem que o bot poderia incentivá-los ao plágio, impactar negativamente o aprendizado, dada a facilidade de acesso a informações, além de representar um grande risco de os menores acessarem conteúdos de fontes e idoneidade duvidosas. Mas, em maio do mesmo ano, a proibição foi retirada e no lugar veio o incentivo no uso da tecnologia pelos alunos.
Não é mesmo fácil ter de decidir por instituir mudanças sistêmicas no contexto escolar, sobretudo quando estas impactam diretamente o cerne pedagógico. Mas, por outro lado, ignorar as possibilidades que a IA oferece para melhorar o processo educacional não parece ser o caminho mais acertado.
Aliás, um dos principais autores que tratam dos benefícios da IA na educação, Matthew Lynch (leia o artigo “Minha visão para o futuro da inteligência artificial na educação”), reconhece que, apesar do uso da IA na educação ser muito valioso em alguns aspectos, devemos ser hiper vigilantes no monitoramento de seu desenvolvimento e de seu papel geral em nosso mundo.
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De forma alguma, deve-se subestimar a preocupação dos profissionais de educação com o potencial do ChatGPT – pelo contrário, sobretudo considerando-se todos os desafios que a arte de educar por si só já nos impõe. Mas se há alguém com quem as novas gerações podem e devem contar para ensiná-las a melhor desfrutar dessa e de outras ferramentas de IA, são seus professores.
Proibir o uso não é a resposta. Vimos e vivenciamos isso com relação ao celular. Primeiro, porque a IA é uma realidade sem volta. Segundo, porque é preciso considerar que banir o uso deste e de outros bots dos dispositivos acessados no ambiente escolar não impede o seu acesso fora dele – isso quando o aluno encontra meios para superar o bloqueio e consegue utilizá-los na própria escola. Terceiro, se não houver quem os direcione para o melhor, mais ético, consciente e seguro proveito das novas tecnologias, poderão aprender da pior forma.
Claro, é absolutamente aceitável valer-se de soluções capazes de monitorar a utilização equivocada dessas ferramentas, mas não com o objetivo de emboscar o aluno, e sim de corrigi-lo e orientá-lo na utilização adequada.
São intensas e frequentes as discussões éticas em torno da IA. No artigo “A importância da ética na inteligência artificial”, do Towards Data Science, podemos encontrar duas recomendações importantes: a primeira reflete a necessidade de a ética estar embutida na ideia de por que uma determinada peça de tecnologia, equipada com IA, está sendo desenvolvida; e a outra, sobre a importância de monitorar os resultados dessa peça específica de tecnologia para entender completamente seu comportamento e garantir que ela não esteja violando nossa bússola moral (humana).
O fato é que precisamos ensinar as novas gerações a utilizar essa ferramenta como um facilitador e inspiração para desenvolverem sua própria criatividade e auxiliar no ensino de disciplinas tradicionais. Por exemplo, o ChatGPT pode oferecer, quando requisitado, inúmeros sinônimos para palavras, que podem ser utilizadas para melhorar o texto do aluno. A plataforma também é capaz de traduzir textos com grande precisão, o que pode ser útil no ensino de línguas e na ampliação de fontes de pesquisa.
Uma outra oportunidade que o uso da ferramenta pode propiciar é a de demonstrar aos alunos as limitações da IA, assim como a possibilidade de diferentes respostas oferecidas a diferentes usuários para a mesma pergunta. Fazer com que o ChatGPT gere respostas que os alunos sabem que estão erradas, para que aprendam a desconfiar das soluções oferecidas também pode ser muito interessante.
Mas tão importantes quanto a formação intelectual dos alunos são as oportunidades que essa ferramenta oferece para se discutir o uso moral da tecnologia, instigando-os ao necessário pensamento crítico. Que tal começar o uso esclarecendo que a ferramenta foi treinada com textos de milhões de pessoas retirados da internet? O quanto isso pode ser considerado correto? Sob quais circunstâncias a utilização desse método, mais rápido, de gerar textos pode ser considerado ético e honesto?
Claro que o uso dessa e de outros tipos de ferramentas digitais no ambiente escolar demanda providências, tanto técnicas como de conscientização e até procedimentais. Mas este é um caminho irreversível para a educação, e quanto mais preparada a escola estiver para demandas dessa natureza, menores os riscos de incidentes digitais envolvendo seus docentes, discentes e demais colaboradores da instituição. Afinal, só se aprende a utilizar as inovações tecnológicas utilizando-as.
Aliás, não se discute a responsabilidade da escola nesse contexto, sobretudo pelo fato de se estar lidando com crianças e adolescentes, mas isso não pode ser um impeditivo para a inclusão digital de seus alunos.
Para começar, é preciso que fique claro, seja no Contrato de Prestação de Serviços Educacionais firmado com o responsável, seja em documento à parte e àquele atrelado – como o Regimento Interno ou mesmo um Código de Conduta –, que o incentivo ao uso ou quaisquer recursos disponibilizados pela instituição devem apresentar finalidade educacional, de forma que, se aplicados de modo diverso ao acordado, se estará diante de, inclusive, um descumprimento contratual, cujas consequências serão de responsabilidade dos pais ou responsável legal.
Assim, se temos como objetivos basilares da educação o pleno desenvolvimento do educando, e seu preparo para o exercício da cidadania e mercado de trabalho, tal como dispõe a Constituição Federal, reitera o Estatuto da Criança e do Adolescente e reforça a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, além do próprio Marco Civil da Internet, encontrar meios de se ajustar a essa nova realidade e de instigar nos jovens a criticidade necessária para avaliarem na prática os aspectos positivos e negativos de inovações tecnológicas como sistemas de Inteligência Artificial, não nos parece uma opção.
Sobre a autora:
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Alessandra Borelli
Advogada, professora e sócia na Opice Blum Advogados
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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