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O que temos a aprender com edtechs do Sul Global

por Guilherme Cintra
O que temos a aprender com edtechs do Sul Global
Foto: Freepik
Startups de educação da América Latina, África e Ásia revelam um novo mapa de inovação e podem ser referência na implementação de tecnologias educacionais

Mantenho um site chamado “EdTech da semana”, em que analiso semanalmente startups de tecnologia educacional e suas propostas. Quando iniciei minha coluna no Bett Blog, em outubro de 2024, existiam 100 edtechs analisadas e hoje, pouco mais de um ano depois, já são mais de 300.

Ao olhar para esse conjunto, é impossível não notar que a imensa maioria é dos Estados Unidos. Quem trabalha com educação, tecnologia e a interseção entre as duas áreas costuma ter o país como principal referência. Não à toa: é ele que concentra o maior número de edtechs, recursos, domina rankings, conferências e, de certa forma, o imaginário global sobre inovação educacional.

Quando observamos o cenário econômico e na distribuição de renda, há pouco em comum entre Brasil e Estados Unidos. Além disso, devemos lembrar que o Brasil abriga vários “países” dentro de si, com diferenças de cultura, renda e variações linguísticas. Tratá-lo como uma nação homogênea seria um equívoco. Baixa digitalização, diversidade cultural e de contextos, além de um mercado interno limitado, são características encontradas no nosso país. Se quisermos tecnologias educacionais que atendam a todos, precisamos olhar para as diferentes realidades ao redor do mundo.

Esses desafios de infraestrutura e conectividade são compartilhados por diversos países do Sul Global, da América Latina à África Subsaariana e ao Oriente Médio. Foi a partir dessa constatação que me surgiu uma questão: por que não direcionar o olhar de pesquisa para o Sul Global? Dar maior destaque às edtechs que dialogam com a nossa realidade pode revelar novas referências e modelos mais próximos do nosso contexto.

Aspectos distintos dessas regiões podem oferecer diferentes aprendizados. Na América Latina e no Sudeste Asiático, o mercado interno ainda é limitado e não tem escala suficiente para sustentar sozinho o crescimento das empresas. Isso se deve, em grande parte, aos baixos níveis de digitalização dos territórios. Sendo assim, salvo raras exceções, as edtechs desses mercados precisam considerar a internacionalização de seus produtos e serviços como estratégia essencial de expansão.

Um exemplo é a colombiana TOMi, que oferece aulas interativas a escolas sem acesso à internet. Criada em 2019, a empresa já distribuiu 20 mil equipamentos em cinco continentes e mais de 30 países como Guatemala, México, Reino Unido, Quênia e Emirados Árabes Unidos. O dispositivo funciona como um hotspot local capaz de conectar até 80 aparelhos simultaneamente, dispensando conexão externa. Por ser um hardware de uso universal, sem dependência do contexto cultural, seu modelo é altamente escalável.

Além disso, incorpora recursos como reconhecimento de caracteres para correção automática de provas, criação de apresentações e revisão de conteúdos, ampliando ainda mais seu potencial de aplicação global.

Enquanto isso, no Brasil, as edtechs tendem a acreditar que, por termos um mercado interno com população relevante, ele será suficiente. Entretanto, quando consideramos que: a) a maior parte está olhando para o mercado privado, que representa apenas 20% dos alunos b) o ticket médio é bem mais baixo que países do Norte Global c) uma edtech não está competindo apenas com aquelas que fazem o mesmo que ela, mas também com edtechs atuando em outros setores; é necessário entender que pode ser relevante estar preparado para a possibilidade de internacionalização eventual.

Mas lógico, há setores mais complexos de transitar entre as diferentes culturas, línguas e contextos ao expandir suas operações para outros países. Um caso interessante é o da Bee Readers, startup chilena que utiliza Inteligência Artificial para adaptar textos ao nível de leitura de cada aluno, com versões em espanhol e inglês. Presente também no México e nos Estados Unidos, a plataforma já alcança 250 mil estudantes e 20 mil educadores.

Outra empresa que merece destaque pela capacidade de adaptar sua tecnologia a diferentes idiomas é a Ambani, edtech sul-africana especializada em livros interativos com realidade aumentada, disponíveis em 15 línguas africanas. Desde sua concepção, a empresa adotou o princípio da multilinguagem e, assim como a Bee Readers, reconhece a importância de recursos linguísticos para ampliar o alcance de suas soluções. Sua arquitetura tecnológica foi desenhada para escalar de forma independente do idioma, permitindo uma expansão mais inclusiva.

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Na África Subsaariana, a baixa renda média da população e a conectividade limitada fazem com que o empreendedorismo local tenha a inclusão educacional como princípio central no desenho de soluções.

Um bom exemplo é a Rori, startup de Serra Leoa que desenvolveu um chatbot de ensino de matemática via WhatsApp, utilizando IA para interagir com estudantes e professores. Ao operar em uma tecnologia amplamente presente no cotidiano das pessoas, a plataforma consegue alcançar 150 mil estudantes em Serra Leoa, Gana, Ruanda, Nigéria e Quênia.

A Ubongo, da Tanzânia, desenvolve programas educativos voltados à literacia numérica, saúde, habilidades socioemocionais e alfabetização, alcançado 32 milhões de lares africanos, traduzidos em 12 línguas e distribuído em 41 países. Em contextos com poucos recursos educacionais, a televisão ainda exerce grande impacto e a Ubongo aproveita esse potencial com responsabilidade, limitando o tempo de exposição às telas conforme padrões internacionais, para não substituir outras formas de aprendizagem.

Já a Índia nos traz outro patamar de escala e complexidade. Com 1,4 bilhão de habitantes, o país tem um mercado altamente diverso, com 22 línguas oficiais reconhecidas pela Constituição e dezenas de milhares de outros idiomas e dialetos falados. Nesse contexto, surgiu a Wadhwani AI, que desenvolveu uma tecnologia capaz de avaliar a fluência leitora de crianças e gerar relatórios simples, acessíveis também offline.

O sistema reconhece a fala até mesmo em celulares básicos, o que o torna especialmente adequado para países de baixa e média renda. Por não depender de equipamentos avançados, a solução opera bem em contextos de infraestrutura precária: um exemplo claro de inovação orientada à realidade local.

O Oriente Médio nos traz outro tipo de aprendizado. A Alef Education, dos Emirados Árabes Unidos, é uma plataforma adaptativa que reúne conteúdos em diversas áreas, como inglês, árabe, matemática, ciências, estudos sociais e estudos islâmicos, por meio de exercícios, vídeos e jogos interativos. Fundada em 2016, a empresa surgiu a partir de um contrato com o Conselho de Educação de Abu Dhabi e, atualmente, tem 55% de sua receita proveniente do governo. Opera em múltiplos idiomas – inglês, árabe, bahasa (indonésio), usbeque, hindi, urdu (Paquistão e Índia), espanhol, português e malaio – e está presente em países tão diversos quanto Indonésia e Marrocos, alcançando mais de 1 milhão de usuários em 14 mil escolas.

O caso da Alef Education demonstra o papel estratégico que governos podem ter no fomento à tecnologia educacional quando o investimento é alinhado à cultura local e às políticas públicas de aprendizagem.

Ao compreender a dimensão e as particularidades desses mercados é possível olhar para as edtechs do Sul Global como fontes de aprendizado sobre como implementar tecnologias educacionais em contextos diversos.

O Sul Global está longe de ser apenas um consumidor passivo de tecnologia, é também um polo de criação e inovação, onde surgem soluções desenhadas para realidades complexas e que, cada vez mais, oferecem respostas valiosas aos desafios da educação contemporânea.

Sobre o autor:


*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.

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