Transformar a Educação para quê? Para quem? E em quê?
No meu outro texto disse que me sinto preocupado porque usamos a palavra transformação apenas como um jargão. Recebi muitos comentários positivos e quero continuar essa conversa.
No cenário atual, onde a palavra "transformação" é frequentemente usada como um mantra para a inovação, especialmente no campo educacional, é crucial questionarmos: quem realmente se destina às mudanças? Será que estamos caminhando para uma revolução educacional ou apenas nos iludindo com uma transformação que nunca vem, nunca chega?
Se dissermos que estamos transformando algo, e entregamos algo muito similar, apenas com cor e contornos diferentes. Isso não desvaloriza verdadeiramente a palavra “transformar”? Neste texto, vamos explorar essas nuances, analisando quem são os verdadeiros destinatários, beneficiários e quais são os riscos e oportunidades envolvidos nesse processo.
Quem está no comando da transformação?
É comum que as propostas de mudança no campo educacional sejam desenhadas de forma descendente, onde alguns impõem melhorias a muitos, sem considerar opiniões diversas ou de personagens diretamente envolvidos no processo: docentes e discentes. Muitas vezes, as transformações são impulsionadas, mas será que essas mudanças realmente atendem às necessidades de quem está dentro da sala de aula?
Queremos que qualquer mudança nos processos educativos seja pensada para o bem dos estudantes, priorizando suas experiências de aprendizagem e seu desenvolvimento integral. No entanto, não podemos esquecer que os professores também precisam ser considerados nesse processo. Transformar a educação sem capacitar e apoiar os educadores é condenar qualquer mudança ao fracasso. A verdadeira transformação deve envolver todos os atores do sistema educacional, garantindo que as mudanças sejam inclusivas e participativas.
Transformação: valores, práticas ou estruturas?
Finalmente, a pergunta que talvez mais importe: em que exatamente estamos transformando a educação? Ao falarmos de transformação, estamos nos referindo a uma mudança de valores, de práticas ou de estruturas? Há uma diferença significativa entre essas dimensões, e cada uma delas requer abordagens e soluções distintas.
Algumas propostas de transformação focam na incorporação de tecnologias, como o uso de plataformas digitais, inteligência artificial e ensino a distância. Outras visam mudanças metodológicas, como o ensino por projetos, o aprendizado baseado em competências ou a educação híbrida.
No entanto, essas mudanças, por si só, podem não alcançar o impacto desejado se não forem acompanhadas de um repensar dos valores que sustentam o sistema educacional.
Transformação vs. Melhoria: qual é a diferença?
Uma distinção importante a ser feita é que transformar não é sinônimo de melhorar. Transformações podem levar tanto à evolução quanto à regressão, dependendo de como são conduzidas. Por isso, antes de embarcar em qualquer proposta de transformação educacional, é essencial refletir se essa mudança realmente trará melhorias. O simples fato de mudar algo no sistema educacional não é garantia de que ele será mais eficiente ou mais justo.
A transformação só se justifica quando visa verdadeiramente transformar (mudar a forma de) aquilo que já existe ou corrigir falhas profundas no sistema. E, para isso, precisamos ter clareza sobre os problemas que queremos resolver e sobre as consequências de nossas ações.
Nem toda novidade é positiva, e nem todo status quo é ruim. Às vezes, o que o sistema educacional precisa é de aperfeiçoamentos incrementais, que, aos poucos, vão construindo uma base mais sólida e resiliente.
O antigo “Medo do Novo”
Porém, preciso colocar aqui uma “mea culpa”. Como professores, é natural sentirmos um certo receio diante de novidades e inovações, pois elas desafiam nossas práticas estabelecidas e nos tiram da zona de conforto.
A familiaridade com métodos tradicionais nos dá segurança, e a ideia de mudar pode parecer intimidadora. No entanto, vivemos em um tempo de rápidas transformações, onde a tecnologia e novas abordagens pedagógicas estão redefinindo o cenário educacional.
Até hoje nos apegamos aos livros físicos (nada contra. Amo!), mas esquecemos o quanto esta produção impacta a nossa natureza. Mesmo com a possibilidade de livros digitais (mais econômicos e sustentáveis) nos apegamos ao “cheiro do papel” e mascaramos nosso simples medo de mudar.
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Quando a escola decide implementar o uso de tablets para acessar materiais didáticos interativos e realizar atividades online, o discente pode sentir-se sobrecarregado e hesitante em adotar a nova tecnologia. O medo de não dominar a ferramenta, de enfrentar problemas técnicos durante as aulas ou de perder o controle da turma pode levá-lo a resistir à mudança.
Ao tentar para a onda de mudanças o professor pode perder a oportunidade de enriquecer suas aulas com recursos multimídia, de personalizar o aprendizado para atender às necessidades individuais dos alunos e de preparar os estudantes para um mundo cada vez mais digital.
Além disso, ao não se engajar com as inovações, essa minha colega professora ou professor pode deixar de desenvolver novas habilidades que são cada vez mais valorizadas no campo educacional, limitando seu próprio crescimento profissional e a capacidade de inspirar seus alunos a abraçar a tecnologia de forma crítica e criativa.
Para preparar nossos alunos para um futuro incerto e dinâmico, precisamos nos abrir para essas mudanças, adotando uma postura de aprendizado contínuo e adaptabilidade. Ao abraçar a inovação, não apenas enriquecemos nosso repertório de ensino, mas também inspiramos nossos alunos a serem curiosos, críticos e resilientes diante das mudanças que enfrentarão ao longo de suas vidas.
Transformação consciente é o que buscamos!
Transformar a educação é uma tarefa complexa e multifacetada. Não devemos nos deixar levar apenas pela ideia de que ferramentas automáticas trarão melhorias. Ao invés disso, precisamos fazer perguntas fundamentais: estamos transformando para quê? Para quem? E em quê? As respostas a essas questões devem orientar nossas ações, garantindo que qualquer transformação seja feita de forma consciente, responsável e inclusiva.
A verdadeira transformação educacional não é aquela que apenas muda a forma, mas aquela que transforma a essência do processo de ensino e aprendizagem. Uma transformação que coloque o estudante no centro, que respeite e valorize o papel dos professores e que busque construir uma educação mais equitativa e relevante para os desafios do mundo atual.
Ao final, a transformação educacional deve ser uma jornada coletiva, onde todos os envolvidos têm voz e participação ativa. Somente assim poderemos garantir que as mudanças sejam sustentáveis e verdadeiramente benéficas para a sociedade como um todo. Vamos juntos repensar e reconstruir a educação que desejamos para o futuro!
Sobre o autor:
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Doug Alvoroçado
Professor II, SME/RJ e SEEDUC/RJ
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Bett Brasil.
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